Veredito de Lovecraft Country

25/10/2020 - POSTADO POR EM Séries

Temas sociais em produções de terror ou suspense vem fazendo bastante sucesso, principalmente quando Jordan Peele está no comando, como é o caso do filme Nós (2019). Por isso, não é à toa que desde de sua estreia Lovecraft Country vem gerando bastante burburinho nas redes. Produzido pela HBO e tendo como showrunner Misha Green, a série é uma adaptação do livro Território Lovecraft, de Matt Ruff.

Conferimos a produção e vamos contar o que achamos. Se você ainda nunca ouviu falar da produção, veja nossas primeiras impressões. O texto não terá spoiler.

Road trip nos Estados Unidos

Na década de 1950, os Estados Unidos era um país extremamente racista e, além de ter uma forte segregação fundamentada principalmente pelas leis Jim Crow (1870- 1960). Nesse contexto, um jovem negro, recém chegado da Guerra da Coréia (1950 – 1953), Atticus (Jonathan Majors), volta para Chicago após receber a notícia de que seu pai havia desaparecido.

Ao voltar para sua terra natal, ele acaba partindo junto de seu tio, George (Courtney B. Vance), em uma viagem após ter uma pista de onde seu pai poderia estar. Uma amiga de infância, Lettitia (Jurnee Smollett-Bell), que também tinha acabado de retornar para cidade, decide acompanhá-los.

A viagem não sai como esperado e precisa ser encerrada antes do previsto, após o grupo encontrar criaturas estranhas, muito parecidas com as que são descritas na obra do autor H. P. Lovecraft, cujos livros misturam magia, ficção científica e fantasia em suas narrativas de terror

Imagem: Divulgação

Adaptação

Adaptações são sempre aguardadas com muita expectativa, principalmente porque os fãs das obras querem saber como seus enredos vão ser contados em outros formatos, quais fatos serão mantidos e quais serão alterados. Algumas vezes, os resultado é bem desastroso.

Felizmente, o caso de Lovecraft Country é muito bem sucedido. A adaptação de Misha Green tem inúmeras diferenças do texto original, mas mantém o espírito da obra. São tantas divergências que chega a ser até injusto comparar os dois formatos e escolher qual seria o melhor, os dois são muito bons, tem características próprias e até se complementam

A série mistura fatos reais de bastante relevância para história norte-americana com as tramas da narrativa, com uma maestria descomunal e sem medo. Um exemplo disso é tocar no assassinato cruéis do menino Emmett Louis Till, de apenas 14 anos, em 1955. O crime é considerado um dos casos mais evidente do racismo da época. E também sobre o Massacre de Tulsa (1921), que dizimou uma comunidade negra inteira e só foi relembrado recentemente por conta da minissérie Watchmen (2019).

Outro aspecto que torna a obra única são os áudios inseridos em uma cena de cada episódio. Entre discursos, poemas e músicas, eles se relacionam com os temas abordados, ajudando o espectador a se manter conectado com a obra e refletir mais ainda sobre ela. 

Imagem: Divulgação

O detalhe e o todo

Um dos aspectos mais interessantes sobre Lovecraft Country é a maneira como a série se parece quase como uma antologia. Ao fim do primeiro episódio parece ao espectador que toda a premissa revelada na sinopse já foi resolvida, portanto é natural se questionar o que poderá ser apresentado a partir daí.

Deste capítulo inicial em diante o que acompanhamos são uma série de pequenas narrativas sobre os personagens que compõem o núcleo principal da produção e que serão usados para desenvolvê-los. Assim, o pano de fundo que interliga essas tramas às vezes é pouco explorado, porém nunca deixa de avançar.

A partir do momento que o espectador entende esse enredo ele poderá aproveitar melhor a experiência que o seriado quer lhe trazer. Infelizmente essa característica ímpar também prejudica sua conclusão, que possui muito a se resolver em pouco tempo de tela. Nós entendemos o fechamento, mas o caminho até lá parece ter sido encurtado para se encaixar no episódio final. O que se espera é que possamos ver o que foi deixado em aberto ser melhor desenvolvido em uma possível segunda temporada.

Imagem: Divulgação

Veredito

Lovecraft Country é uma daquelas séries emocionantes do primeiro ao último episódio da temporada, com cada um deles conseguindo superar o anterior em qualidade. Os personagens são extremamente bem desenvolvidos e possuem muitas camadas, sendo praticamente impossível julgar superficialmente suas motivações

Os aspectos técnicos de roteiro, direção, cenografia, continuidade, figurino, trilha sonora e efeitos visuais são simplesmente perfeitos e impecáveis, ficando bem claro que o investimento na série não foi baixo. O elenco escalado evidentemente foi muito bem escolhido, os personagens combinaram de maneira certeira com os atores escolhidos, o que deixa mais fácil para o espectador se conectar com a série.

Chamo atenção especialmente para criatividade de Misha Green que mudou aspectos do livro que tornaram a trama mais interessante e enriqueceram o enredo. Além disso, ela passou longe do óbvio e claramente sabia exatamente o que estava fazendo. Lembrando que ela ainda fez sua estreia como diretora no oitavo episódio da série, que fez uma nova crítica ao tratamento policial com pessoas negras, além de ter elementos de terror mais acentuados.

E esse é outro ponto importante, o terror da série não é um mero jumpscare, sendo mais rebuscado e pego pelas entrelinhas. É claro que é impossível não tomar um susto com uma criatura ou outra, principalmente se você estiver bem imerso na trama, porém o terror racial acaba sendo mais evidente e ameaçador à vida dos personagens. Isso só reforça o quanto acontecimentos reais podem ser muitas vezes mais aterrorizantes que a fantasia.

Pontos positivos

  • Enredo interessante;
  • Elenco maravilhoso;
  • Roteiro bem adaptado;
  • Diálogos interessantes;
  • Ótimos efeitos visuais;

Pontos negativos

  • O último episódio da temporada muito corrido, poderia ter sido dividido em dois ou três.
  • Algumas soluções convenientes de roteiro que podem incomodar

NOTA: 10