Encerrando a trilogia Mundo em Caos, do autor britânico-americano Patrick Ness, o livro Homens e Monstros traz a conclusão da saga de ficção científica que aborda vários questionamentos sobre a natureza humana do ponto de vista dos jovens protagonistas Viola e Todd.
Nós recebemos a obra da editora Intrínseca, responsável pela publicação dos livros no Brasil, e vamos contar para vocês as nossas impressões.
ATENÇÃO! ESTE VEREDITO CONTÉM SPOILERS DOS LIVROS ANTERIORES DA SÉRIE MUNDO EM CAOS.
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A guerra cria monstros
O livro começa no ponto onde o anterior encerrou, com Viola partindo em busca da nave de colonos recém-chegada enquanto Todd fica responsável por manter prisioneiro o prefeito Prentiss. Porém, o aparecimento do exército Spackle obriga o garoto a deixá-lo livre, para que possa liderar os homens da cidade em batalha.
Por esse início já entendemos que o livro irá abordar o ambiente de guerra neste planeta e com isso vemos vários pontos de vista. Todd e Viola querem a todo custo impedir o confronto, mas Prentiss deseja o conflito para reafirmar o seu poder. Mestra Coen acha que a batalha é necessária para retomar o controle do lugar, enquanto os novos colonos acreditam que, com a guerra, os erros da humanidade estão se repetindo.
Dessa forma temos de acompanhar todas essas perspectivas em conflito, com o agravante das motivações pessoais. Embora Todd e Viola sejam contra a guerra, eles são forçados a ela no intuito de protegerem um ao outro, fazendo com que se perguntem a todo momento se esse é o tipo de circunstâncias que você pode tornar pessoal, e quais as consequências disso.
“Está chegando.
O fim de tudo.
O fim de todas as coisas.
– Ah, sim, Todd – o prefeito diz esfregando as mãos. – Exatamente.
E ele diz a palavra de novo, diz como se fosse seu maior sonho:
– Guerra.”
Homens e Monstros, pág. 14.
Novo olhar
Homens e Monstros ainda traz um outro ponto de vista além desses já citados, pois o livro acrescenta um terceiro narrador à história: um dos Spackle. Isso acaba mudando muito do que pensávamos sobre o desenrolar dos fatos até agora, mostrando a perspectiva do povo colonizado e que está tentando salvar seu planeta.
É difícil não simpatizar com esse povo que já foi tão oprimido até agora, principalmente quando o lado dos humanos só parece fazer burrada. Mesmo trazendo essa boa novidade para oterceiro livro, a primeira metade de Homens e Monstros se mostra cansativa, com seus personagens correndo em círculos e ficando presos a falhas de comunicação que só tornam tudo mais complicado.
O terceiro narrador consegue mexer um pouco com esses paradigmas, trazendo um dos pontos de vista mais interessantes neste início. Isso quase compensa a falha de ritmo da obra, que só consegue dar maior engajamento ao leitor na sua segunda metade. Parece que aí sim as coisas começam a andar.
“O Solo continua a me mostrar o caminho.
Homens e Monstros, pág. 79.
Mas, por trás de seu auxílio, são dúvidas que escuto?
Pois quem sou eu, afinal de contas?
Um herói? Um salvador?
Ou um destroçado? Um perigo?”
Protagonistas e coadjuvantes
O fato do novo narrador ser tão interessante só reforça o que vinha se tornando óbvio desde o livro anterior: temos ótimos protagonistas, mas coadjuvantes descartáveis. Em Mundo em Caos o foco estava sempre presente em Todd e Viola, com alguns personagens fazendo pontas e interferindo na sua jornada, mas nada que prejudicasse a fluidez da narrativa.
Em A Pergunta e a Resposta tivemos os protagonistas separados, obrigando eles a interagirem com outras pessoas, o que possibilitaria a construção de coadjuvantes relevantes. Porém nenhum deles conseguiu ser marcante de verdade, apenas com a notável exceção do prefeito Prentiss, por ser o antagonista, e talvez mestra Coen em alguma medida.
De toda forma o livro não consegue trazer esse apoio para os protagonistas, se baseando muito mais no apego que temos por eles. O que funciona perfeitamente, a relação de Todd e Viola, é construída de tal maneira que você compra toda a motivação deles e a justificativa que entrariam em uma guerra um pelo outro, afinal, em pouco tempo eles formam um vínculo basicamente inquebrável de amor, confiança e proteção mútua. Uma pena que isso ofuscou todo o resto em volta deles.
“Por um instante, eu mal consigo ouvi-lo…
Então seu sentimentos se derramam em seu Ruído e ele é Todd novamente e me abraça com força e diz:
– Viola.”
Homens e Monstros, pág. 99.
Veredito
Homens e Monstros consegue encerrar bem a trilogia Mundo em Caos, apesar dos seus problemas de ritmo. O leitor certamente vai sentir a lentidão do começo, sendo que a segunda metade acelera a narrativa, talvez de um jeito exagerado, tirando tempo de cenas necessárias.
O autor também se deixa de cair em certas conveniências, o que faz com que conflitos grandes sejam resolvidos de forma simples. Porém, no final o saldo é positivo, pois ele consegue seguir com a mesma abordagem dos livros anteriores, questionando os atos da humanidade frente a erros do passado e colocando em xeque as relações de personagens discordantes entre si.
Portanto, mesmo com um terceiro livro mais fraco, a trilogia é uma excelente pedida no que se refere à histórias de ficção científica, trazendo um universo bastante rico, com personagens interessantes e conflitos reflexivos. Esperamos que possamos ver mais de Patrick Ness em breve.
Pontos negativos:
- Ritmo narrativo irregular
- Coadjuvantes pouco expressivos
- Facilidades de narrativa
Pontos positivos:
- Relação bem construída entre os protagonistas
- Bom fechamento da história
- Questionamentos interessantes
NOTA: 8/10