Veredito de Boneca Russa

19/03/2019 - POSTADO POR EM Séries

Imagine que, por algum motivo misterioso, você não consiga morrer e, ao invés de ir para qualquer outro plano existencial, seja condenado a voltar à vida sempre a partir do mesmo ponto. É o que acontece com Nadia (Natasha Lyonne), uma nova iorquina célebre entre seus conhecidos por ter sobrevivido aos mais loucos vícios em drogas e bebidas.

Você certamente, a essa altura, já deve ter ouvido falar em “Boneca Russa”, nova série da Netflix. Pelo sim e pelo não, a gente assistiu e, aqui te damos alguns motivos pra que você, apaixonado por produções com temas psicológicos e pela talentosíssima Natasha (a Nicky, de “Orange Is the New Black”), comece sua maratona.

* Está matéria contém spoilers. Se você ainda não viu a série é melhor ler depois.

A Matrioska

Em um clima digno de Alice no País das Maravilhas, Nadia, uma noite, corre ao alcance de seu gato e é atropelada, num acidente fatal. No entanto, a próxima cena é exatamente a que inicia a série: mesma trilha sonora, mesmo cenário, mas com a protagonista completamente confusa e pensando que a situação toda trata-se de um sonho ou ficção.

Depois de várias idas e vindas, dá pra entender o possível motivo para o título da série. A Matrioska, ou boneca russa, é um brinquedo que reúne várias versões menores em relação à boneca inteira. Nas várias repetições pelas quais passa, Nadia vive uma série de versões de si mesma, o que é uma oportunidade de olhar para si como, outrora, nunca havia feito.

Encarar um passado conturbado é um dos desafios enfrentados por nossa protagonista. Nadia teve uma infância difícil ao lado de uma mãe com transtornos psicológicos que, em suas superstições, submeteu a própria filha a uma vida de dificuldades. É inclusive no retorno à esse passado e à sua criança interior que ela descobre o sentido de muitas de suas questões problemáticas do presente.

Foto: Divulgação

O coadjuvante

Em certo momento da trama, nossa personagem principal conhece Alan (Charlie Barnett), um homem que acabou de tentar suicídio, após o término com sua namorada e que está preso na mesma sina que a protagonista. Alan, extremamente metódico e organizado, parece não saber lidar com falhas e erros de percurso. Além disso, inseguro sobre o próprio potencial, o encontro entre ele e Nadia parece representar, para ele, o início de uma jornada de redescoberta da autoestima.

Os dois passam a analisar o porquê de serem os únicos na mesma situação de vida e morte. O que nos leva, como espectadores, a uma possível resposta: assim como Nadia e seus vícios em drogas e alcoolismo, Alan também optara por dar um fim à própria existência.

As reflexões despertadas por “Boneca Russa” não param por aí. A presença de Alan como coadjuvante, um personagem doce, sensível e de postura vacilante, em comparação à poderosa e decidida Nadia vai de encontro à caracterização costumeira de personagens masculinos na indústria do entretenimento. Na série, a mulher é a heroína que, em seu passado, descobre a resposta para a crise vivida por ela no presente.

Foto: Divulgação

Veredito

“Boneca Russa” é uma das maravilhas de uma só temporada da Netflix. De trama intensa, desafia o espectador a pensar. E o se a princípio, o deixa fadigado com a série de repetições dos primeiros episódios, do meio para o fim, o faz entender a importância destas na conclusão da saga dos personagens.

Além de um fundo psicológico, o  sentido do que é vivido por Nadia, em suas constantes viagens por várias versões de si, também vem sendo analisado por muitos críticos sob a perspectiva da teoria do multiverso. O que também é mais um motivo pra você, que pira em ciência, assistir a série. No sétimo episódio, por exemplo, a personagem utiliza uma laranja podre para sugerir à Alan a existência de uma quarta dimensão ou universo por nós desconhecido.

“Nosso universo tem três dimensões espaciais”, ela diz, “por isso, para nós, é difícil imaginar um mundo de quatro dimensões, mas os computadores fazem isso o tempo todo. Em algumas interpretações da teoria quântica, aliás e segundo Clifford Pickover, doutor em Biofísica Molecular entrevistado sobre o assunto em matéria para a BBC (https://bbc.in/2JlxI2Q), “todos os passados e futuros alternativos são reais, cada um deles representando um  universo em si mesmo”. Exatamente o drama central de “Boneca Russa”.

Foto: Divulgação