Afinal, do que se trata Twin Peaks?

08/09/2017 - POSTADO POR EM Séries

Pouco mais de vinte e cinco anos depois de seu cancelamento precoce, “Twin Peaks” está de volta, mas não é exatamente aquela mesma cidade madeireira que nós conhecíamos. Nessa análise geral dos primeiros episódios da nova temporada, a nostalgia mesmo de quem conhece a série há pouco tempo se mistura com o espanto da quantidade de novo material a ser explorado.

Lembrando que o texto tem spoilers!

Estranhamento familiar

Quase como as típicas recapitulações de seriados contínuos, a terceira temporada de “Twin Peaks” começa com uma cena do final da anterior: Laura Palmer, assassinada brutalmente pelo pai, aparece como em um sonho para o agente especial do FBI, Dale Cooper, e diz: “Eu o verei novamente em 25 anos”.

Corta para a abertura, uma mistura de cenas antigas do episódio piloto e novas montagens de uma “Twin Peaks” agora cheia de névoa e tons de cinza, em contraste com as cores quentes a que estávamos acostumados. A cachoeira, as árvores, a serraria: os elementos são familiares, mas vistos sob um novo ponto de vista.

Em seguida, vemos o Gigante (será?), outra figura que habita a dimensão obscura onde Cooper está aprisionado desde a temporada anterior, conhecida como o Black Lodge. Ele chama a atenção do agente para uma vitrola, que produz um ruído inquietante, e alerta: “Estas coisas não podem ser ditas em voz alta agora”. Essa afirmação parece reverberar ao longo dos novos episódios. Já fizeram até um corte no Youtube mostrando que nas duas primeiras horas de estreia da nova temporada, quase sete minutos são dedicados aos silêncios e encaradas que intercalam os diálogos cheios de enigma:

Tudo em seu tempo e lugar

O ritmo desacelerado da produção é uma das mais características peculiaridades de David Lynch, co-criador e diretor da série. Não é a toa que ele mesmo se afastou da tendência de lançar o retorno nos serviços de streaming, em que o espectador dedica um final de semana para maratonar e terminar logo a experiência. Mesmo na Netflix, que anunciou dois dias antes da estreia nos Estados Unidos que exibiria a nova temporada, os dezoito episódios serão lançados simultaneamente ao canal Showtime, com previsão para terminar apenas em setembro.

Com um elenco em que cerca de 90% dos atores são novatos na produção, os veteranos também são reintroduzidos aos poucos e em curtas cenas. É o que acontece com personagens outrora significativos, por exemplo: Shelly (Madchen Amick), os irmãos Horne (Richard Beymer e David Patrick Kelly) e o Dr. Jacoby (Russ Tamblyn).

Assim, o foco da trama se divide em vários pontos, afastando-se da pequena cidade do pacífico noroeste para lugares como Dakota do Sul, Nevada e até mesmo Nova York, para depois nos direcionar de volta a “Twin Peaks”. Embora ainda não tenha aparecido nenhum corpo enrolado em plástico, em uma semana de série já podemos contabilizar um novo inquérito sem solução, uma aparição sobrenatural e o protagonista Kyle Maclachlan interpretando pelo menos três personagens diferentes.

Divulgação

No limite da consciência

A história aparentemente vai ser uma longa jornada sobre como resgatar do Black Lodge o bom e velho Dale (Maclachlan) enquanto sua contraparte maligna executa toda espécie de planos para se manter vivo em seu lugar na terra, mas em se tratando da mente de Mark Frost e David Lynch, realmente pode tomar qualquer rumo inesperado.

O fato é que o tempo passou e os criadores não estão interessados em desconsiderar isso. As coisas mudaram, como de fato deveriam mudar, e não existe o compromisso de apaziguar os corações aflitos e as mentes atordoadas que o final aberto da série original deixou nos seus seguidores.

E agora mais do que nunca, “Twin Peaks” é uma série para fãs de David Lynch, mais do que “Twin Peaks” apenas. É possível perceber a recorrente presença de elementos dos seus outros filmes, desde o surrealismo de “Eraserhead” até a cruel violência de “Veludo Azul”. O diretor já anunciou que vai se aposentar da indústria do cinema, e tendo em vista que o seriado na realidade foi filmado “como um filme de 18 partes”, é provável que teremos aqui a entrega de sua obra máxima.