Shadow of the Tomb Raider: Lara Croft sombria

16/09/2018 - POSTADO POR EM Jogos

Lara Croft está de volta. De fato, ela nunca havia partido. Se você a conheceu agora ou não, a verdade é que a franquia Tomb Raider perdura de 1996 até hoje. Com o lançamento do novo jogo, Shadow of the Tomb Raider marca o décimo segundo capítulo na linha do tempo da arqueóloga mais conhecida do mundo virtual. E ainda nem somamos as outras nove investidas, dentre expansões e minigames, lançadas concomitante aos principais em plataformas como Game Boy Advance e os recentes mobiles.

O terceiro e último do reboot que conta a origem de Lara saiu para Playstation 4, PC e Xbox One no último 14 de setembro, e eu (#Gabriel) estive jogando desde dois dias antes (obrigado, Croft Edition!) para entregar em primeira mão o veredito desta épica jornada da saqueadora de tumbas.

Ela não deixa quieto

O universo repousa em paz até que Lara Croft entre no ambiente. Se essa já era a premissa dos primeiros títulos da saga, agora a equação é mais precisa que nunca. Em favor da lealdade, convenhamos que essa mulher parecia sempre em busca de confusão quando invadia os templos sagrados ou tomava posse dos artefatos proibidos pelos quatro cantos do mundo, a exemplo da China, Egito e até o continente perdido de Atlântida.

Em “Tomb Raider”, porém, este que recomeçou a série em 2013, a jovem de 21 anos fazia uma expedição rodeada de amigos e contatos profissionais para o que deveria ser uma divertida gravação da série documental do doutor James Whitman, arqueólogo charlatão. Em Yamatai, ilha escondida no Japão, Lara é naufragada e capturada por um grupo de fanáticos que pretende transferir com magia negra os poderes destrutivos da primeira e sepultada Rainha do arquipélago justo à melhor amiga de Croft, Sam Nishimura.

Traumatizada, a heroína volta para casa com mais perdas do que podia esperar e parte determinada a descobrir mais sobre a Trindade, um verdadeiro exército que aparenta ter envolvimento com as circunstâncias da morte de Richard Croft, pai da lenda, tão reconhecido quanto a filha seria um dia. Um ano após os eventos do segundo jogo, “Rise of the Tomb Raider” (2015), a garota tem se preparado emocional e fisicamente para rastrear o poderio militar. A coisa toda sai do controle quando Lara tira do lugar uma adaga que teoricamente é capaz de causar o apocalipse maia nos tempos atuais, tudo para evitar que a Trindade chegasse antes.

Dessa vez, Lara vem dividida entre a vingança e o senso de que tem de salvar o mundo. Imagem: Divulgação

Preparada para quase tudo

A despeito de curiosidade, essa história de origem da aventureira readaptou a trama para a modernidade, então é comum que se veja tecnologias e referências da nova geração, pois agora a menina Croft teria nascido em 1992, de acordo com a atual desenvolvedora dos jogos, Square Enix. Muitos fãs da “Lara Clássica” andaram criticando, nos últimos anos, a versão miúda (sim, estamos falando das curvas do corpo), cheia de falhas humanas e ingênua daquela que sempre foi conhecida como muito confiante, conhecedora das artimanhas mais controversas e sobretudo sensual. Desde o primeiro game do reboot, realmente o que conhecemos é uma moça que leva mais pancada do que ataca e chega até a dizer, na segunda ocasião em que se depara com uma caverna labiríntica: “Eu odeio tumbas!”

Quem diria? Dois jogos depois, a srta. Croft se exercitou para lutar contra os homens maus, já vem com uma indumentária tática e cheia de recursos para sobreviver ao meio ambiente hostil, e se você acha que é coincidência a regata azul que ela veste na maior parte do tempo em “Shadow”, está enganado. É sim uma referência exata àquela Lara dos anos 1990. E que tal as luvinhas pretas? Tá bom assim?

Outro ponto criticado pelos jogadores e jogadoras era de que essa leva de games trazia poucos desafios. Enquanto os adolescentes e até jovens adultos ~penavam~ para sair de fases complicadas e decifrar quebra-cabeças eventualmente cruéis nas antigas produções, o movimento recente de jogos realistas que mais parecem filmes (muito inspirados em “Uncharted”) reconhecidamente foi feito para impressionar muito mais nas animações entre capítulos do que na dificuldade de travessias. Até mesmo o conceito de fases se perdeu um pouco, uma vez que tudo parece parte de um roteiro pré concebido quando se fala desses jogos de aventura atuais.

Com técnicas de stealth melhoradas e improvisação, o combate e a urgência ficaram mais realistas ainda. Imagem: Divulgação

Ficando mais sério

A jogabilidade deste terceiro, porém, traz artifícios mais interessantes. Agora é possível determinar antes de começar a viagem o nível de dificuldade de exploração, camuflando ou não em três graus os locais e espaços em que Lara deve se pendurar, saltar ou vasculhar.

Da mesma forma, o combate pode ficar mais realista, com a mulher se ferindo gravemente sem recuperação instantânea de vida. Até os famosos puzzles, que foram ligeiramente deixados de lado nos dois anteriores, desta vez são mais recorrentes e também possuem configurações de interpretação. O usuário pode optar por deixar Lara sem dar nenhuma daquelas dicas que praticamente entregavam tudo; todos esses ajustes são inclusive manipulados individualmente, o que possibilita ao jogador bem maior personalização. Esses e outros detalhes demonstram preocupação da Square em agradar àqueles que foram fiéis à Lara desde os primórdios. As próprias criptas, que funcionam mais como missões paralelas e de oportunidade de prêmios, estão mais desafiadoras, trabalhosas e mortais.

Lara tem novas ferramentas que lhe permitem exploração maior e interação com o ambiente tão ricos quanto os cenários. Imagem: Divulgação


As habilidades aperfeiçoadas pela protagonista ao longo dos últimos cinco anos, no entanto, não variam tanto. Talvez as duas maiores novidades dizem respeito ao fato de que ela já pode mergulhar e nadar em águas profundas — mesmo o movimento por vezes um pouco travado — e também se balançar em cordas de rapel, uma expansão do movimento de escalar com o emblemático machado vermelho que acaba lembrando os tempos em que Lara se trancafiou no Egito, em “The Last Revelation” (1999).

Outro tópico é que às vezes aparecem animais e nativos no cenário que não necessariamente há obrigação de atacar pois não representam ameaça, mas a escolha do jogador pode influenciar no decorrer da trama, oferecendo profundidade no debate do que é moralmente aceito ou não quando se trata de construção do caráter da exploradora. Se em 2013 ela estava sempre no alvo como presa dos indígenas e radicais, agora Lara é a predadora.

Quanto às armas, o carro chefe continua sendo o arco e flecha. Contudo, mais do que nunca, no enredo do reboot a herdeira vai se familiarizar bastante com diversas armas de fogo, e os pré-requisitos para aperfeiçoá-las se mostra mais acessível, o que justamente faz sentido, se considerarmos a trajetória que compõe a trilogia. Se espera pelas famigeradas pistolas duplas, você pode se decepcionar, pois não é a proposta do jogo. Muito embora elas apareçam ao final do de 2013 e na mansão do que vem em sequência, ainda estamos abordando uma Lara de vinte e poucos anos, e não aquela de mais de trinta apresentada pela Core Design.

Neste último jogo do remake, Lara parte de um lugar sombrio, receosa do que pode ter provocado. Imagem: Divulgação

A sombra de quem ela é

Lady Croft nunca foi uma personagem fácil. Arrogante, autossuficiente, ela vai passar na frente de qualquer um para conseguir o que quer. Na realidade, seu criador, o britânico Toby Gard, originalmente havia concebido sua identidade mais como anti-heroína do que uma mocinha. Se analisado pelo ponto de vista dos antagonistas, a arqueóloga parece estar sempre na ambição de atrapalhar o plano alheio, e como apontado na abertura do título de 1996, ela “faz isso apenas por diversão”.

Lara perdeu os pais quando era muito nova, e a falta que eles fizeram sempre refletiu no seu comportamento, o que pode ser constatado especialmente no longa de 2001 e no jogo “Tomb Raider: Underworld” (2008). A questão é que no reset passamos a conhecer uma estudiosa dos tempos antigos que tem nas amizades seu maior tesouro. O ponto é que ela vai gradualmente perdendo estes laços, seja por fatalidade ou ocasião do destino. O único elo que ainda a sustenta na luta pela humanidade que resta em si é Jonah (na voz de Earl Baylon), que desde “Rise” e ainda antes disso tem acompanhado Croft em seus objetivos.

Quando “Shadow of the Tomb Raider” começa, já somos atirados e mergulhados numa carga emocional tão grande, que é impossível não se preocupar com o futuro destes dois personagens. As cenas de passagem entre missões são cheias de diálogos e momentos poderosos, e a interpretação que a atriz Camilla Luddington (“Grey’s Anatomy”) imprime na voz, expressões do rosto e captura de movimentos é soberba.

Com cinco anos de produção, a franquia pode não ter revolucionado em termos técnicos, mas se considerarmos estes três últimos jogos como parte de um só e o caminho seguido pelos últimos desenvolvidos pela Crystal Dynamics, há que se dar o crédito devido. E se você vai presenciar ou não essa nova Lara se tornar aquela que conhecia, há que chegar até o final deste para saber. Caso não tenha ideia do que fazer depois dos créditos, eis aqui uma sugestão de excelente jogo para partir em diante:

Mesmo em 1996, o nível de detalhes, possibilidade e recursos que Tomb Raider trazia era revolucionário. Imagem: Divulgação