DICA DE LIVRO: O QUE HÁ DENTRO DA CAIXA DE PÁSSAROS?

28/05/2018 - POSTADO POR EM HQs/Livros

O mundo como você o conhece está se acabando. As pessoas, ficando loucas, mais do que já eram. Todos aqueles que não se prepararam vão acabar morrendo. Ninguém deve ser imune, e nenhum lugar é seguro, com exceção da escuridão. Esta poderia ser a sinopse de “Caixa de Pássaros”, romance do estadunidense Josh Malerman publicado em 2015 no Brasil pela editora Intrínseca.

Na trama, um fenômeno inexplicável e extremamente perigoso ameaça a segurança da população norte americana quando os habitantes dos diversos estados começam a se matar após enxergarem uma espécie de criatura que os fazem enlouquecer.

*Alerta de spoiler!!!

Se você ainda não leu “Caixa de pássaros” e quer reservar a surpresa do desenvolvimento do enredo, cubra os olhos agora mesmo e vá providenciar e leitura desse exemplar de 268 páginas.

* Venha conferir o nosso veredito da adaptação da Netflix, Bird Box. 

Como começa o fim do mundo

Malorie é uma jovem recém-formada na faculdade que não acreditava muito na estranha epidemia e sequer dava importância às primeiras alarmantes notícias do telejornal até ver sua irmã, Shannon, atravessar uma tesoura no próprio peito, certo dia, trancada no banheiro. Traumatizada, ela passa a entender a obsessão que a irmã já tinha em relação aos últimos acontecimentos.

A partir daí, Malorie descobre que muitas outras pessoas ao seu redor também estão ficando desesperadas: estocando comida para não sair de casa, vendando os olhos ao andar pelas ruas e isolando as residências com tábuas nas janelas. Em torno desse caos sem precedentes, ela se prepara para deixar o local onde mora no Michigan quando fica sabendo que há um abrigo que acolhe os sobreviventes e também se dá conta de outro fator ligeiramente preocupante: ela está grávida.

Com 268 páginas, o livro tem número grande de capítulos justo pelo tamanho de cada: 46 ao todo. Foto: Gabriel Macedo

Ponto de vista cego

Tudo isso acontece de maneira bastante acelerada. A leitura inteira do livro, na verdade, pode ser muito veloz, pois foi escrito de forma um tanto quanto inteligente. A narrativa intercala, em capítulos bem curtos (de três a cinco páginas), sobre o momento presente — no qual Malorie vive em uma casa com duas crianças que cresceram neste ambiente assustador, educadas para jamais abrir os olhos — e flashbacks do passado, na ocasião em que os eventos trágicos tiveram início.

E não importa muito como toda essa loucura começou. Semelhante ao excelente filme “Um Lugar Silencioso” (2018), de John Krasinski, não há explicação ou discussão filosófica sobre o porquê dessas criaturas estarem rondando pelos lugares. Criaturas essas, por sinal, que nem sabemos de fato o que são. É que todo o ponto de vista do livro é narrado sob o “olhar” da protagonista. Portanto, as descrições acabam envolvendo bastante o leitor por justamente nos apresentar falta da visão.

Assim, somos mergulhados profundamente no pânico que é não saber o que está lá fora. E diferente do filme que mencionamos acima e protagonizado por Krasinski e sua esposa na vida real, Emily Blunt, o livro “Caixa de Pássaros” funciona muito bem na linguagem da literatura porque faz com que a adesão a esse universo em particular seja facilmente executada. Sabemos que a obra teve direitos de adaptação adquiridos pela Netflix. Com Sandra Bullock, Sarah Paulson e John Malkovich no elenco, o longa estreia no dia 21 de dezembro, foi dirigido pela dinamarquesa Susanne Bier (“Coisas que Perdemos pelo Caminho”, 2014) e roteirizado por Eric Heisserer, de “A chegada” (2016). O que não sabemos é como será transportada essa sensação de impotência diante do que não se pode enxergar.

O livro de estreia do cantor e compositor da banda de rock High String foi eleito um dos 11 melhores de 2014 pela Kirkus Reviews e ganhou destaque semelhante pelo site Book Riot. No Brasil, foi lançado com tiragem inicial de 8 mil exemplares, mas já teve 120 mil cópias vendidas em dez reimpressões. O sucesso garantiu que a editora Intrínseca comprasse os dois títulos seguintes de Malerman: “Black Mad Wheel”, já publicado ano passado sob o nome “Piano Vermelho”, e “A House at the Bottom of a Lake”, que ainda não tem versão brasileira, mas pode ser livremente traduzido para “A casa no fundo do lago”.

A sensação de perder o sentido da visão nos faz sentir parte da história, o que é muito inquietante. Foto: Gabriel Macedo

Campo de visão curto

Embora tenha uma trama deveras envolvente e peculiar, especialmente pela sua estrutura, o desfecho tem grande potencial de desapontar alguns leitores. Para muito além da curiosidade de como a catástrofe descrita veio a ocorrer ou sobre a natureza das tais “criaturas” que aterrorizam os personagens, o trunfo dessa história está em torno do lapso temporal entre os capítulos que retratam Malorie saindo de casa em busca de salvação e os trechos que acompanham a garota, anos depois, tentando deixar o local onde foi recebida por um grupo de cinco pessoas e um cachorro.

Os meninos já estão crescidos o suficiente para andar por conta própria e compreender o que está havendo. Assim, Malorie precisa reunir coragem e força hercúleas na busca de outro lugar seguro, pois já não há mais comida… e seus companheiros já não estão mais na casa. Então o maior estímulo que nos faz virar cada página ao engolir o livro é muito mais para saber o que houve com esses outros personagens e o que Malorie vai encontrar lá fora.

Realmente nós acabamos por saber o que ocorre com Tom, Don, Cheryl, Felix, Jules e Victor, e talvez o clímax do entrecho esteja num dos momentos finais da retrospectiva, quando Malorie está prestes a dar à luz, mas o autor peca ligeiramente ao entregar um final meio frustrante no que diz respeito aos momentos de tensão construídos pela parte em que a principal sai com as crianças. É como se todo o esforço construído durante toda a tramoia não valesse tanto assim a emoção.

“Caixa de Pássaros”, porém, não deixa de ser instigante e até inspirador se você gosta de bons argumentos no quesito distopias assustadoras. É mais um bom ensaio que prova que os maiores terrores estão no medo do desconhecido em si e no que o próximo pode fazer com sua cabeça quando posto em ameaça de sua sanidade ou da própria vida.

A criatura é o leitor que cria: pode ser um monstro, mas pode ser você mesmo. Foto: Gabriel Macedo