Veredito de Bela Vingança

24/04/2021 - POSTADO POR EM Filmes

Concorrendo em cinco categorias no Oscar 2021, este é provavelmente o título mais polêmico da premiação este ano. Bela Vingança tem uma história pesada, mas contada de um jeito pop e com várias doses de humor sombrio. Confira no nosso veredito tudo o que achamos do longa.

Atenção: o texto a seguir contém SPOILERS de Bela Vingança!

Traumas do passado

Cassie (Carey Mulligan) é uma jovem que mora com seus pais, trabalha em um café e evita qualquer tipo de plano para o futuro. O seu maior foco é na verdade o que faz durante a noite

Em uma sequência que abre o filme de maneira empolgante, vemos a protagonista em um bar aparentemente caindo de bêbada. Um “cara legal” se oferece para levá-la para casa, porém, óbvio, que suas intenções são outras. Assim que ele tenta se forçar para cima de Cassie, ela rapidamente se levanta, questionando calma e claramente sobre sua atitude.

O filme deixa claro que isso é algo que a garota faz constantemente, em uma espécie de “vingança” movida por uma mácula acontecida anos atrás, a qual ela nunca conseguiu deixar de lado. Mas no momento em que Cassie reencontra alguém deste seu passado, as coisas passam a tomar novos rumos.

Imagem: Divulgação

Narrativa pop

A diretora estreante Emerald Fennell é muito feliz ao se permitir discutir um tema pesado com uma roupagem mais pop. O filme tem uma paleta de cores suaves, abusando das candy colors tanto no visual da protagonista quanto nos cenários. A trilha também ajuda nessa narrativa, com destaque para a incrível versão instrumental de Toxic, da Britney Spears, que inclusive já aparecia no trailer.

Essa abordagem mais suave também se evidencia em determinado momento da narrativa, quando parece até que o filme trocou de gênero e virou uma comédia romântica. Essa troca é proposital para o que vem a seguir e felizmente não soa exagerada, funcionando como a famosa calmaria antes da tempestade.

Tudo isso se contrasta com o tema proposto para Bela Vingança, que é uma história sobre estupro e suas consequências. O longa trata de um assunto bastante pesado e que normalmente não seria agraciado com atenção o suficiente para integrar grandes premiações, porém se beneficiou com um ano de lançamentos mais escassos para conquistar o seu lugar ao sol.

Imagem: Divulgação

Final controverso

Infelizmente é aqui que chegamos no problema. Veja bem, Bela Vingança se encaixa em um subgênero conhecido como Rape Revenge: nele temos uma situação de estrupro violento seguida por uma vingança ainda mais violenta por parte da protagonista. Embora o longa pratique uma subversão do conceito quando entendemos o que realmente Cassie faz com os caras que tentam “ajudá-la”, essa mesma cortesia não é concedida a ela no fim.

O assassinato da garota pela mesma pessoa que havia machucado sua amiga é certamente o ponto mais baixo do filme, que tenta circular a tragédia com a justificativa de que o responsável foi preso. Mas não é satisfatório. Usar a morte da protagonista como único meio possível de punir o personagem ruim é extremamente decepcionante, além de revoltante e uma saída de roteiro preguiçosa. 

Quando olhamos para a situação do Brasil, que teve 648 casos de feminicídio só no primeiro semestre do ano passado, você entende que não quer consumir esse tipo de história, uma vez que nós já temos casos reais o suficiente disso. É muito mais subversivo ter uma protagonista feminina que fique viva no final, no qual ela possa triunfar sobre o acusador sem ter que perder sua vida por isso.

E se vamos falar de realismo como justificativa para o ato final, aqui vai mais uma constatação: se for para ser totalmente fiel com a realidade então o assassino jamais ficará preso por muito tempo, talvez até nem chegue a ir de fato para a cadeia. E por que? Ele é um homem rico, tem acesso a bons advogados e é o que chamamos de bom jovem promissor – quem entende um pouco sobre como acabam certos casos de estupro sabe do que eu estou falando aqui.

Imagem: Divulgação

Veredito

Bela Vingança nos apresenta uma história que precisa ser contada e que o é de maneira leve, contrastando com seu tema tão pesado. A narrativa subverte muitas das suas expectativas quanto ao início, porém não de maneira decepcionante – a não ser que se queira muito uma narrativa repleta de sangue, nesse caso o longa não é para você.

A protagonista vivida por Carey Mulligan justifica muito bem a sua indicação a Melhor atriz, trazendo charme à personagem, ao mesmo tempo que incute uma força e um sarcástico toque cômico a ela. Os demais atores compõem bem o núcleo secundário do longa, com destaque para a divertidíssima Laverne Cox.

O que não pode ser deixado de lado realmente é o sabor amargo que o filme deixa ao chegar ao seu final. Podemos imaginar que a diretora britânica viva em uma realidade menos violenta do que a nossa, mas ainda me parece limitado da parte dela pensar que esse seria o único desfecho possível para a sua protagonista, quando ela poderia ser muito mais.

Pontos positivos

  • Excelente protagonista
  • Narrativa leve em contraste com o tema pesado

Pontos negativos

  • Péssima reviravolta no terceiro ato
  • Final decepcionante 

Nota: 8