The Post: a guerra secreta do jornalismo de investigação

23/01/2018 - POSTADO POR EM Filmes

Guerra do Vietnã, 1969. É nesse contexto que Daniel Ellsberg, um analista militar que havia sido fuzileiro naval no campo alguns anos antes, invade uma sala da RAND Corporation, importante laboratório de pesquisas financiado pelo governo norte-americano. Seu objetivo era denunciar as discrepâncias entre o que ele observava em batalha diante do que o governo de Washington decidiu divulgar ao povo estadunidense sobre um dos conflitos mais significativos da história do país.

Assim, um documento de mais de sete mil páginas oriundas do próprio Pentágono foi copiado e enviado em segredo ao The New York Times, jornal de maior circulação da época. Essa é fagulha que resultou em um dos maiores escândalos expostos pelo jornalismo dos Estados Unidos e que serve de base para o relato verídico de “The Post – A Guerra Secreta”, filme indicado ao Oscar, dirigido por Steven Spielberg, com Meryl Streep e Tom Hanks no elenco. Nós assistimos ao longa e fizemos uma breve análise sobre essa adaptação da história universal.

Uma mulher em seu lugar

Embora o furo que gerou a primeira publicação de parte do polêmico documento sobre a Guerra tenha sido do New York Times, coube à editora chefe do The Washington Post, seu maior concorrente até hoje, a decisão de seguir adiante quando um jovem jornalista foi designado a investigar a fonte do periódico em liderança. O governo havia emitido uma ordem judicial com liminar ao Times proibindo que seguissem com qualquer outro material. Foi então que Katharine “Kay” Graham (Streep), a primeira e única mulher em cargo de poder num jornal nacional daquele porte, viu-se numa encruzilhada que transformaria sua carreira e a vida de muitos cidadãos americanos.

Para muitos, era simplesmente natural que a filha do editor do jornal não ficasse com o legado da empresa quando seu pai morresse. É tanto que, de fato, o cargo foi designado ao sogro de Eugene Meyer e marido de Kay, Philip Graham. No entanto, a sua morte trágica e inesperada, causada pelos problemas mentais e com bebida e pelo posterior suicídio, levou a esposa a tomar a frente do jornal. Algum tempo depois, ela teve que tomar a difícil decisão de abrir capital a investidores (todos homens) para evitar falência, mas não tinha ideia de que essa escolha viria com um desafio maior ainda.

Foto: Divulgação

O apoio necessário

Para medir os esforços e sacrificar futuro e carreira de praticamente todos os seus empregados jornalistas, Katharine teve a ajuda incondicional de Ben Bradlee (interpretado por Tom Hanks). Extremamente corajoso e cheio de confiança, o editor desempenhou um papel primordial no impasse em que o Post se viu uma vez que obtiveram a papelada sobre Vietnã com mais informações ainda.

Basicamente, eles tinham em mãos a prova concreta de que no decorrer de três décadas e quatro presidentes americanos, o governo havia enganado deliberadamente o público sobre as operações da guerra que tirou a vida de quase 60 mil pessoas em serviço e causou a perda de um milhão de vidas em outras esferas. Eram evidências de assassinatos, violações da Convenção de Genebra, eleições fraudadas e mentiras apresentadas ao Congresso, tudo para garantir que o povo acreditasse que o embate estava acabando, quando na realidade as forças armadas e a Agência Central de Inteligência (CIA) expandiram a disputa sangrenta secretamente.

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Responsabilidade sobre a verdade

Embora não apresente grandes reviravoltas ou clímax intenso, o filme acaba funcionando como um suspense mais dramático do que qualquer outra coisa. E mesmo não sendo as melhores performances de suas carreiras, ver esses dois experientes atores (Streep e Hanks) pela primeira vez sob o olhar de Spielberg é certamente uma experiência que vale a pena.

Talvez um dos grandes trunfos da obra esteja na ambientação pelas quais a fotografia, direção de arte e figurino são responsáveis. Ann Roth já pode ser considerada uma lenda do design de moda. Ela combina as cores e tons pastéis entre cada figurante ou personagem menor de forma tão cuidadosa, que qualquer transeunte ou funcionário da redação parece elemento fundamental na narrativa, o que acaba conferindo uma verossimilhança sem igual ao contexto da década reproduzida, os anos 1970 da capital dos EUA.

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Legado dos agentes da notícia

“The Post” concorreu ao Globo de Ouro de melhor filme de drama, melhor atriz e ator para os protagonistas mencionados, direção, roteiro (Liz Hannah e Josh Singer) e trilha sonora original (o mito John Williams). Também recebeu indicações ao Oscar de Melhor Filme e Melhor Atriz, e mesmo não sendo o favorito delas, o maior legado que essa peça de grande valor da carreira de Spielberg pode deixar é a reflexão sobre o ethos do jornalista: seu posicionamento, sua maneira de se comportar diante das injustiças e da demagogia.

Além de contar uma história de investigação que mais do que nunca é atual, particularmente interessante e fundamental para compreender uma parte imprescindível da nossa história, “A Guerra Secreta” vem também nos mostrar o lado mais sensível do ser humano, seus dilemas diante do que é confortável e sua dualidade em face da luta pelo que é certo ou mais fácil.

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