Star Wars: A Ascensão Skywalker e o retorno do Fan Service

23/12/2019 - POSTADO POR and EM Filmes

Dirigido por J.J. Abrams, “Star Wars: A Ascensão Skywalker” tinha a difícil missão de concluir não só a nova trilogia da franquia como também encerrar a saga e reconquistar os fãs após o divisivo Episódio VIII: “Os Últimos Jedi” (2017). Porém ao tentar “corrigir” os problemas do último filme, o diretor acaba criando uma história familiar, previsível e contraditória ao nível de uma novela mexicana. Confira o veredito a seguir.

Atenção! O texto contém SPOILERS!

Há muito tempo, numa galáxia muito, muito distante…

O imperador Palpatine está vivo (como o trailer e o pôster anunciavam) e planeja destruir definitivamente as últimas chamas da escória rebelde resistência e recriar o império com uma frota secreta (e bem simétrica) de Star Destroyers. Diante dessa ameaça, a General Leia Organa (Carrie Fisher) manda Rey (Daisy Ridley), Finn (John Boyega) e Poe (Oscar Isaac) em busca de pistas sobre a localização do Lorde Sith para impedir o retorno do império. 

“A Ascensão Skywalker” começa correndo, apresentando os pontos de partida de cada um dos principais personagens da história de forma rápida, o que traz a sensação de urgência que o plot do filme pedia. Porém, quando o filme finalmente relaxa para dar o tempo necessário para desenvolver os personagens… nada acontece. 

O roteiro de Abrams com Chris Terrio ( “Liga da Justiça”, de 2017) tenta ao máximo aprofundar o mistério que cerca a identidade de Rey e da sua relação questionável com Kylo Ren (Adam Driver), mas esquece o resto do grupo. Finn e Poe não sofrem nenhuma evolução durante o filme, praticamente entrando no grupo dos personagens para alívio cômico, onde já temos C3PO, Chewie e o novo droid D-O que roubam os holofotes nas cenas que aparecem com uma boa dose de humor. 

Foto: Divulgação

Controle de dano

O filme deixa claro que quer deletar a maioria das escolhas feitas por Rian Johnson em “Os Últimos Jedi”. Os pais da Rey na verdade são importantes e ela é a neta do imperador Palpatine, Kylo Ren reconstrói o capacete e volta a imitar o Vovô Vader. E como se não fosse o bastante, Abrams ainda alfineta Jonhson com uma cena de Rey jogando seu sabre de luz fora e colocando a primeira fala do fantasma de Luke Skywalker (Mark Hamill) para ser: “Não é assim que se trata uma arma Jedi”. 

Se o rumo escolhido foi o de ousar, que honrassem essa escolha até o fim, sem voltar atrás para agradar uma parcela de “fãs”. O diretor se preocupou tanto em consertar os “erros” do filme anterior que acaba comprimindo dois filmes em apenas 2 horas e 22 minutos, cheios de diálogos expositivos e péssimas motivações para que as personagens se desloquem de um lugar ao outro, sem falar nos poucos obstáculos apresentados que também são facilmente superados.

Foto: Divulgação

Ode à nostalgia

O filme apela bastante para a nostalgia, algumas vezes de forma totalmente gratuita e sem sentido, mas outras vezes de forma sábia e que acaba rendendo bons momentos. Um desses momentos foi quando Kylo Ren tem uma visão de seu pai, Han Solo. A aparição do personagem em si já é bastante nostálgica, mas o pirata intergalático ainda revive um momento icônico do Episódio V ao interromper a fala desajeitada e cheia de emoção de seu filho com um “I know” (“eu sei”). 

Quando Rey volta para o exílio de Luke Skywalker (Mark Hamill) e se depara com o Fantasma da Força do Mestre Skywalker, o Jedi ajuda Rey a sair do planeta tirando da água a sua antiga X-Wing, da mesma forma que Yoda fez na trilogia original. O momento teria tudo para ser significativo, mas a essa altura a fórmula acomodada do filme, de recriar momentos icônicos do passado, já não tem mais o mesmo impacto. 

Para consumar a festa de nostalgia temos ainda a aparição de Lando, os Ewoks no sistema de Endor e Chewie no final do filme finalmente recebendo uma medalha por seus feitos em defesa da democracia. Mas talvez o momento mais arrepiante seja quando Rey enfrenta Darth Sidious e escuta as vozes de inúmeros Jedi, lhe dando forças para repelir o ataque de Palpatine. Conseguimos ouvir a voz de Yoda, Luke Skywalker, Anakin Skywalker, Mace Windu, Obi-wan Kenobi, Qui-Gon Jin, Ahsoka Tano, entre outros.

Foto: Divulgação

Contradições

Anakin (Hayden Christensen) é o principal personagem da saga de “Star Wars”, mesmo que indiretamente, já que a partir do quarto filme da franquia ele se torna o temido Darth Vader. No novo filme, porém, ele não recebeu a devida atenção. Seu nome foi pouco, ou quase nunca, mencionado, sendo a única alusão à sua figura o antigo capacete que Kylo Ren guardava.

Para piorar, como insulto à memória de Anakin, seu sabre de luz original (herdado por Luke, e depois por Rey) acabou enterrado em Tatooine. Ele odiava areia, como dito no Episódio II (2002), assim como o planeta de sua infância. Bem, parece que além de esquecer, o roteiro ainda fez questão de desrespeitar os outros filmes da saga.

Outro problema de coerência é como Rey e Kylo usam a Força para curar. Esse é mais um recurso completamente arbitrário que serve ao filme quando lhe interessa, mas que ignora as repercussões do ato no panorama geral. Desde o Episódio I (1999), foi construída a ideia que reviver os mortos ou curar e prolongar a vida de alguém é antinatural e alterava o curso normal das coisas, por isso os Jedi consideravam o ensinamento um caminho dos Sith. 

Além disso, esse poder era algo tão difícil de ser aprendido e raro que foi justamente o que seduziu Anakin no Episódio III (2005) a tornar-se um Sith. Palpatine (Ian McDiarmid) passou anos estudando essa “ciência” e ainda sim não conseguia dominá-la, tendo prometido ao jovem Skywalker ensiná-lo caso ele se convertesse. Por mais que a intenção fosse nobre, em nenhuma hipótese esse artifício poderia ser utilizado e considerado como forma de redenção, que pela lógica desviam Rey e Kylo do caminho do “bem”.

Foto: Divulgação

Veredito

Parece que o Episódio IX (2019) veio para apagar os acontecimentos do Episódio XIII (2017) e no processo acaba ignorando muito do que havia sido construído também nos filmes anteriores. O enredo se perde e acaba ficando arrastado ao recriar rumos familiares sem muito tato, quando na verdade deveria ser apenas um desfecho para as questões levantadas no passado. Algumas cenas iniciais podiam ser rearranjadas que não fariam diferença, ou simplesmente serem excluídas, dando ao filme melhor fluidez. 

Apesar do problema de roteiro, os efeitos especiais estão extremamente bem feitos, fazendo juz ao orçamento multimilionário. As equipes de fotografia e figurino conseguiram manter o ritmo de sempre. Quanto às cenas de lutas não se pode negar que estão muito bem feitas, tirando o fôlego do espectador.

Quem diria que após um longa tão ousado na forma de “Os Últimos Jedi”, a solução encontrada pela Disney seria se acovardar perante as críticas. A atriz Kelly Marie Tran foi vítima de haters racistas online depois do último filme? Tudo bem, podemos jogá-la para escanteio no novo e esquecer seu sacrifício. Podemos pegar tudo o que deu certo antes e reutilizar de forma descuidada. Precisamos agradar os fãs. Podemos trazer de volta um vilão temido do passado, mesmo que isso anule o sacrifício final de Vader. Podemos ter diretores com visões distintas e uma trilogia sem identidade. Mas não podemos desagradar ninguém. Ou podemos?

Pontos positivos

  • Boa direção de arte
  • Humor clássico
  • Lutas bem coreografadas
  • Ótimas atuações

Pontos negativos

  • Diálogos simplistas
  • Roteiro previsível escorado no saudosismo
  • Falta de desenvolvimento dos personagens
  • Muitos acontecimentos e revelações para pouco tempo
  • Diminuir ou negar a relevância de acontecimentos passados

NOTA: 6,5