Precisamos conversar sobre Mr. Nobody e A Chegada!

13/06/2018 - POSTADO POR EM Filmes

O que parece uma análise de obras díspares, mostra-se como um paralelo impossível de ser ignorado. A concepção de tempo e futuro em “Arrival” (2016), também conhecido como “A Chegada”, e “Mr. Nobody” (2009) são patentes para a apreensão de um universo de possibilidades e escolhas, mas, principalmente, de um entendimento de como nos tornamos quem somos.

* O conteúdo a seguir pode conter spoilers de “Arrival” e “Mr.Nobody”

Você mudaria algo na sua vida?

Dirigido por Denis Villeneuve, “Arrival” é uma ficção científica baseada no conto “História da Sua Vida”, de Ted Chiang, que, apesar de usar elementos fantásticos e extraterrestres, foca na história singular de Louise Banks, uma linguista, que lida com o luto da futura perda da filha.

A explicação nos leva automaticamente a pensar em mais um drama cinematográfico sobre perda, mas, como constatamos em sequência, o longa é mais do que isso. Pulando explicações sobre o desenvolvimento do filme, Louise, nossa protagonista, ao compreender a língua dos heptápodes (alienígenas que chegaram à Terra), passa a vislumbrar o mundo como um deles: ela já não possui linearidade nas suas lembranças. Ela é capaz de ver todos os momentos e escolhas da sua vida, passado e futuro, ao mesmo tempo.

Eu percebo , durante esses vislumbres, toda essa época como uma simultaneidade. É um período que abrange o resto de minha vida, e a totalidade da sua.

Arrival, 2016

Na linha do tempo do filme, a protagonista é inúmeras vezes acometida de flashbacks de momentos com sua filha, e da dor que foi perdê-la. Entretanto, entende-se por fim que não são flashbacks, mas sim, flashfowards. Ela ainda não deu a luz à Hannah, mas ela sabe que dará, e sabe de tudo que virá a partir daí. Os momentos bons e os pesares da perda, todos esses sentimentos a habitam muito antes de realmente acontecerem. Ela sabe toda a sua história, do nascimento à morte.

Desde o começo eu conheci meu destino, e escolhi meu caminho de acordo com isso.

História da Minha Vida, pag.192, ed.1

No livro, vemos, portanto, que Louise escolhe seguir todos os passos do seu futuro, abdicando do que seria o livre-arbítrio, pois, ela mesma explica: “o conhecimento do futuro é incompatível com o livre-arbítrio. O que possibilitava que eu exercesse minha liberdade de escolha também impossibilitava que eu soubesse sobre o amanhã…”. Afinal, ela apenas conhecia seu futuro a partir de suas ações que faziam parte dele. Caso as mudasse, não havia como prevê-lo, pois nossas escolhas, das mais aleatórias ações, são o que trilham nosso porvir.

Finalmente, chega-se a questão primordial: Louise escolhe passar pela dor de perder a filha, mas, também, escolhe viver todos os momentos felizes que antecederam tal perda. Ela escolhe passar por todas as emoções, escolhe vivência-las, porque, no final, são esses momentos, todos juntos, que construíram a sua história, moldando quem ela foi, será, e, principalmente: quem ela é.

Entender isso, estende a compreensão do universo para além do livre-arbítrio.

Mr. Nobody e o que ele pode ser tornar

Desenvolvido por Jaco Van Dormael, “Mr. Nobody” conta a história de Nemo Nobody, um menino, que, por um acaso do universo, ao nascer não teve seus lábios selados por um anjo, o que fez com tenha o poder de compreender o universo e suas possibilidades, podendo, então, prever todos os caminhos resultantes de suas escolhas.

Todo caminho é o caminho certo. Tudo poderia ter sido qualquer outra coisa e teria sido igualmente importante.

Nemo de 118 anos

Ao longo do título, vemos o desenrolar de diversas narrativas envolvendo o futuro do protagonista. Todas frutos de escolhas que ele deverá tomar durante a vida. Mas como fica claro pelo discurso do Nemo velho, todas não passam de narrativas da imaginação de um Nemo de 9 anos. Ou seja, o que vemos durante o filme, são as projeções que um garotinho tem da sua própria vida. Ele, portanto, ainda se recusa à escolher seu futuro.

Foto: Divulgação

Ademais, um momento crucial na narrativa do filme é a cena da estação de trem, onde vemos a clara dicotomia das escolhas a serem tomadas pelo protagonista. Este precisa decidir com qual dos pais permanecerá. E esse momento é, então, onde as possibilidades de futuro de Nemo se ramificam, e é onde ele começa a projetá-las em sua imaginação.

O que acontece em cada um desses futuros possíveis é visto pelo telespectador, que capta, análogo ao protagonista — e diretor da narrativa, todos os prós e contras de suas escolhas. É, inclusive, pontual, perceber que, com exceção de uma linha do tempo, em todas as outras vidas, Nemo morre antes da velhice.

Vemos, resumidamente no filme, uma busca de Nemo pelo caminho que o levará a encontrar seu verdadeiro amor. O que, de fato, acontece em uma das suas projeções. Ele sabe como chegar lá, sabe que escolhas tomar para chegar a tal fim. Porém, de volta ao Nemo de 9 anos, na estação de trem, vemos uma quebra das expectativas, tanto das expectativas do telespectador, quanto das expectativas do universo.

Nemo “escolhe não escolher”. Ao invés de seguir sua mãe, ou permanecer com seu pai, Nemo corre em direção à uma floresta e sopra uma folha qualquer, praticando um conjunto de ações aleatórias. Nemo, ao contrário de Louise, escolhe a incerteza presente no livre-arbítrio.

Mesmo as pessoas que dizem que tudo está predeterminado e que não podemos fazer nada para mudá-lo, olham para os dois lados antes de atravessar a rua.

Stephen Hawking

Até onde somos livres?

Há quem assuma que todos nascemos com nossos caminhos traçados, do começo ao fim de nossas vidas. E, assim, a premeditação nos leva à ideia de que tudo ocorre por um motivo, mas que esse motivo, essa ação, são agentes imutáveis do nosso futuro.

Porém, simplificar o homem , e o próprio universo, em um conceito determinista, é um tanto quanto desesperançoso. Partir desse pressuposto é aceitar que nossas vidas estão presas ao fatalismo, o que claramente não nos apetece enquanto seres conscientes e pensantes.

Os homens se consideram livres porque estão cônscios das suas volições e desejos, mas são ignorantes das causas pelas quais são conduzidos a querer e desejar.

Spinoza, Ética, livro 2, proposição 48; apêndice do livro 1

Segundo Sartre, o homem é fruto do meio em que vive, isto é, ele é condicionado a partir de suas relações sociais. Suas escolhas, assim, se baseiam nessas relações e dificilmente se desvinculam desse pensamento coletivo. Há, ainda, uma visão intermediária, na qual o passado condiciona, mas não determina, as ações.

Foto: Divulgação

As escolhas individuais são um resultado entre vários resultados possíveis, cada um dos quais é influenciado mas não determinado pelo passado. Ou seja, fatores aleatórios do universo tendem a mudar constantemente o rumo de determinados acontecimentos. Assim, agir aleatoriamente, como Nemo agiu na estação de trem, cria toda uma nova projeção do futuro à sua frente. Ele ainda é capaz de prevê-lo a partir disso, mas, enquanto ele optar pelo livre-arbítrio, seu futuro permanecerá em eterna mutação.

Louise, ao contrário de Nemo, opta pela estabilidade, evitando a aleatoriedade de suas ações, condicionando-as para o fim que já conhece e almeja, sendo, assim, dona de seu próprio futuro, faz-se, então, indiferente ao livre-arbítrio.

Finalmente, é mister entender que nossos protagonistas, apesar de divergirem em suas escolhas, continuam a ser pautados por elas. São frutos das decisões que tomaram durante a vida e, principalmente, são fruto da história que escolheram — ou não, pra si mesmos.

A virtude vem de nós mesmos. É uma escolha que só a nós pertence. Quando um homem perde a capacidade de escolher, deixa de ser homem.

Anthony Burgess, Clockwork Orange

Foto: Divulgação