It – A Coisa: O renascimento de um clássico

06/09/2017 - POSTADO POR and EM Filmes

Se tem um homem que está ganhando muito dinheiro nos dias de hoje, este abençoado definitivamente é Stephen King. Como se já não bastassem mais de 50 livros publicados e cerca de 400 milhões de cópias vendidas ao redor do mundo, seus romances e contos são adaptados a torta e à direita para cinema e televisão desde sempre. Somente este ano, foram produzidos cinco longas e três seriados baseados em suas histórias. A propósito, já leu nossa análise sobre “A Torre Negra”?

O diretor Andy Muschietti acaba de entregar o que estão chamando do novo clássico do terror. Baseado em um dos livros mais volumosos de King (em torno de 1000 páginas), “It – A Coisa” é o primeiro de dois filmes que conta a história de sete adolescentes, cada um menos popular do que o outro, na luta contra o mal encarnado em forma de palhaço. Talvez essa análise não devesse ter sido feita pelos membros do Roteiro Nerd menos medrosos, mas continue com a gente para ver o que achamos. Lembrando: o texto pode ter spoilers!

É para ter medo mesmo

Pouco antes de estrear mundialmente nos cinemas, a adaptação de “It – A Coisa” já causou toda uma comoção entre os críticos. O próprio Stephen King, autor do livro que deu origem à produção, teve que oficialmente pedir desculpas a todos os palhaços pelo prejuízo que provavelmente provocou em suas carreiras… Não que ele precisasse. Palhaços por si só já são bem assustadores para a maioria das crianças e adultos também.

Não é a toa que é sob esse modelo que a Coisa aparece para os jovens mais regularmente. Na verdade, ela não é nada mais do que a manifestação do medo das pessoas, e a figura do palhaço é talvez a imagem mais atraente e ao mesmo tempo aterrorizante para as crianças em qualquer lugar do mundo. Porém, não demora muito para o espectador entender que a verdadeira ameaça do filme são as pessoas reais, seja na forma daquele rapaz mais velho e odioso que faz bullying com quem for na escola, do pai abusivo que vê sua filha crescendo sob um olhar doentio, ou até da repressão da família superprotetora ou extremamente autoritária no modo de educar os filhos.

O que acontece em Derry fica em Derry

Na pequena cidade fictícia do estado do Maine, nos Estados Unidos, a entidade maligna que chamam de Coisa reaparece a cada 27 anos, e logo no início da trama acertaram em cheio ao mostrar um dos aspectos mais sombrios da história: os adultos parecem ignorar o perigo, e até preferem virar as costas para a ação que Ela precisa executar eventualmente. Enquanto a Coisa se alimenta das crianças (literal e simbolicamente), os pais não têm outra escolha a não ser aceitar que seus filhos se foram e não voltam mais. Ao ter seu irmão mais novo como vítima do Palhaço Dançante, Pennywise, Bill Denbrough é o único que não está disposto a desistir da busca pelo menino, que na verdade nunca foi encontrado.

É daí que parte a premissa do longa, que tem muita coisa em comum com as narrativas de “Conta Comigo” (clássico de 1986 baseado em um conto de adivinha quem?) e “Stranger Things” (2016), onde um grupo de amigos tenta se sustentar uns nos outros para vencer um desafio muito maior do que eles. Por falar na série da Netflix, uma semelhança marcante que fica é a ambientação, que retrata com precisão de cenário, figurino, trilha sonora e direção de arte os anos 1980. Diferente do livro, que pegou os anos 1954 e 1955 para mostrar a “primeira fase” do enredo, esse vai ser adiantado. Logo, o próximo título – que promete focar na vida adulta do Clube dos Otários e já tem previsão para lançamento em 2019 – deverá se passar nos tempos atuais.

Estourando os balões

Por mais carismático que esse elenco que conhecemos seja, é bom ir se preparando para desapegar deles. Ainda não se sabe se as crianças estarão no segundo capítulo de alguma maneira, pois a maior parte da história a seguir se passa 27 anos depois. Ao ler o livro, eu (#Gabriel) pessoalmente achei muito encantador o personagem do Richie quando criança. O sempre falante e pronto para fazer piadas infames foi interpretado pelo único que talvez seja o mais reconhecível (Finn Wolfhard interpreta o Mike de “Stranger Things”), mas no filme quem teve maior destaque foi Eddie (Jack Dylan Grazer), pois aquele menino parece um adulto em miniatura e foi responsável pelos momentos mais engraçados.

Aliás, todos os atores apresentaram uma química muito fortificante, e a personificação do palhaço Pennywise (em suas mais diversas formas) por Bill Skarsgård está soberba. Uma curiosidade sobre a produção: nenhum dos atores mirins teve a chance de conhecer Skarsgård até o momento de vê-lo no papel do palhaço, tudo para intensificar a sensação de pavor de suas interpretações. Talvez pelo fato dessa primeira parte ser voltada para os jovens, o filme realmente tem uma certa leveza em si. Esperamos que a continuação seja mais atroz.

É claro que adaptar um livro de mais de mil páginas não deve ser tarefa fácil, mas foi um alívio saber que a solução para sair dos esgotos de Derry não foi explorada como no livro. O Ritual de Chüd (sugerimos o Google) de fato parecia forçar a barra de algo que nesta versão não funcionaria muito bem. Já duas coisas de que eu (#Gabriel) senti falta foram a exploração da importância da bicicleta de Bill para seu crescimento e a introdução de Mike no grupo dos meninos. Parece que ele foi colocado lá às pressas, mas não tiveram tempo de construir uma relação melhor do novato com os demais. Quem sabe no capítulo dois?

Uma obra prima do medo X A Coisa

Vale lembrar que essa não é a primeira vez que podemos ver a obra na tela. A primeira adaptação de “It” foi feita em 1990, em uma minissérie para TV de dois episódios – o primeiro, focado na história das crianças, e o segundo, com os eventos de 30 anos depois. Quem assistiu à versão, pode naturalmente ter feito certas comparações: desde o próprio Pennywise, o Palhaço, até coisas como a forma de que a história é contada.

A transição dos anos 1960 da minissérie para o final dos anos 1980 foi tranquila, com suas mudanças para o contexto quase prontas para receber nove meses de história. A cidade de Derry mantém seu ar pacato e interiorano, com aquela pontinha de que tem algo errado acontecendo mas ninguém realmente dá a mínima. Vemos logo no começo o assassinato de Georgie (Jackson Robert Scott), com a clássica cena do barquinho. Apesar de possuir mais de duas horas de filme (ao contrário de 1h30 que o primeiro episódio teve), sentimos um pouco de falta do período inicial de luto de Bill, com a transição quase que direta para vários meses depois, o que não contribuiu muito em nosso emocional no começo.

O Clube dos Otários (ou, em breve, os Sete Sortudos) passa por algumas transformações necessárias para se comportarem como crianças no verão de 1989. Os demônios pessoais de cada um foram quase todos bem explorados, apesar de que na minissérie a montagem valorizava muito mais. Mesmo sendo histórias com trinta anos de diferença, foram usados flashbacks que alternavam entre a vida adulta e a infância dos personagens, e isso permitiu que algumas se apoiassem em outras para serem acreditadas. Para mim (#Jessica), algo que me incomodava muito na versão antiga era como a trama forçava o romance entre o trio Bill-Beverly-Ben (ou até Beverly e qualquer outro membro da equipe), mas agora conseguiram transformar em uma relação natural – e ambas as versões ignorando certos acontecimentos estranhos do livro…

O visual de Pennywise de Bill Skarsgård difere em vários pontos do clássico de Tim Curry, responsável pelos meus traumas de infância ao inventar de assistir com sete anos de idade. Tim foi definitivamente o personagem principal em vários pesadelos, mas Bill também fez um bom papel em manter o terror real em minha cabeça. E o que é legal é que os dois conseguem ser igualmente perturbadores, mas cada um com seu jeitinho.

Porém, ainda acho que a minissérie assusta mais. A fórmula atual de filmes de terror se apóia bastante em criar jumpscares, o famoso sustinho. Como uma obra adaptada, “It – A Coisa” não ficaria sem utilizar tal artifício, porém a tensão pré-susto coopera muito em ser um pouco mais rico do que boa parte dos filmes atuais – pois convenhamos, a coisa mais chata é assistir a uma cena onde nada está acontecendo e daí vem um susto que só funciona por conta do seu reflexo de ficar surpreso. Porém, os jumpscares do novo serem melhores ainda não fazem o mesmo efeito da atmosfera macabra e genuinamente assustadora do antigo. Provavelmente por isso eu (#Jessica) esperei me assustar bem mais, mas ainda valeu bastante a pena e já marquei de ver de novo em seguida.

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Foto: Divulgação