120 Batimentos por Minuto é o suficiente para viver

03/01/2018 - POSTADO POR EM Filmes

Antes de tudo, “120 Batimentos por Minuto” é um filme sobre ação: ação contra a injustiça, contra o preconceito e em favor da vida. Com estreia prevista para esta quinta-feira, 04/1, não é essencialmente uma história de nerds ou super-heróis vestidos em capas, mas apresenta a toda uma geração que hoje vive com o vírus HIV os verdadeiros atos heroicos que a possibilitou chegar até aqui. Confira o que achamos dessa obra essencial.

Primeiro levante a mão

O longa francês conta a história do ACT UP (em tradução livre: Aliança da Aids para Desencadear Poder), e como a própria sigla sugere, o grupo convida seus integrantes a reagir. Da mesma forma, o diretor Robin Campillo (“Eles Voltaram” e “Meninos do Oriente”) parece fazer o mesmo apelo ao reservar mais de dois terços da produção a um formato quase documental de mostrar como funciona o coletivo que nos anos 1990 promoviam ações não-violentas em defesa da prevenção e do tratamento dos soropositivos.

A partir do início e em dado momento, a impressão é de que estamos assistindo a um filme institucional sobre a organização, mas logo em seguida à primeira intervenção retratada, somos introduzidos às diferentes personalidades dos seus principais expoentes, e como no lugar dos quatro novos membros que vão à reunião, sentimo-nos acolhidos pela família de amigos que buscam transformar suas vidas fora de casa, na luta pelas ruas.

Saiba do que está falando

Já que estamos em 2018, não é tão difícil se assustar com algumas temáticas abordadas aqui: a Síndrome da imunodeficiência adquirida era uma epidemia na época evidenciada pelo longa metragem. Os diferentes pacientes manifestavam variadas formas da doença, e o tratamento ainda era muito precário. Hoje a situação é outra. Aliás, podemos dizer que o Brasil foi protagonista de diversas conquistas na resposta ao HIV, às infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e hepatites virais.

De alguns exemplos que valem destaque, figuram o lançamento do webdocumentário PopTrans, parceria da Organização das Nações Unidas (ONU) com o Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das ISTs, do HIV/Aids e das Hepatites Virais; a chegada de um novo medicamento antirretroviral, com menos efeitos colaterais; o desenvolvimento da Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), que reduz risco de transmissão do HIV em relações sorodiscordantes; a campanha do Julho Amarelo, que resultou na participação do país em importantes congressos de conscientização e até na sede aqui mesmo da Cúpula Mundial de Hepatitis 2017; e o reforço do Ministério da Saúde em orçamento com emenda parlamentar de R$ 200 milhões para conter o avanço da sífilis.

E se em pleno século XXI você ainda pensa, como uma estudante que aparece no filme, que Aids é uma doença exclusivamente gay, ou que todo os portadores do vírus HIV estão doentes, procure saber um pouco mais sobre esses exemplos.

Silêncio = morte

Um dos pontos mais fortes da narrativa é justamente oferecer a todos seus personagens um momento para se pronunciar. Talvez por isso mesmo vem a escolha de começar o filme com um dos líderes do ACT UP explicando aos novos afiliados o modus operandi dos encontros para discutir as próximas ações. E por mais que muitas vezes sejam frustrados na tentativa de reivindicar seus direitos e abrir os olhos da comunidade, não nos deixam esquecer que apesar de tudo, são jovens.

E como tal, esses indivíduos continuam tendo desejos, anseios, frustrações e sobretudo medo. Escorregando em falhas, divertindo-se quando podem, eles invadem o local de trabalho dos cientistas e interrompem as aulas alheias nas escolas para protestar, mas à noite vão à balada e fazem coreografias com pompons na Parada LGBT. Apaixonados, trocam fitas com músicas gravadas por debaixo das mesas.

Foto: Divulgação

Intimidade é para os fortes

Com a atuação magnética de Nahuel Pérez Biscayart e a intensidade reservada de Arnaud Valois, o diretor Robin Campillo não resistiu e trouxe para o último ato do longa um mergulho mais profundo na intimidade do casal Sean e Nathan. O enredo acaba se transformando, meio inesperadamente, na trajetória desse último em se envolver com a ACT UP francesa, os vários eventos de que participa e sua atração por um dos participantes mais dedicados, Sean.

Muito além do recorte sobre a cultura gay da época, “120 Batimentos por Minuto” é um filme sobre responsabilidade e entrega. Ele nos ensina que qualquer pessoa é capaz de levantar sua mão, a voz e a bandeira para lutar pela causa. Também nos mostra que o preconceito é só mais um sintoma da doença contra o qual os portadores do HIV lutam diariamente, e que embora o tratamento médico hoje seja muito mais avançado do que foi décadas atrás, ele começa com a quebra do julgamento.

Foto: Divulgação