Veredito de A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes

25/08/2020 - POSTADO POR EM HQs/Livros

O novo livro de Suzanne Collins representa um aguardado retorno ao mundo dos Jogos Vorazes. Enquanto na trilogia original acompanhamos o ponto de vista de Katniss a partir da 74ª edição do evento, A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes traz a perspectiva de Coriolanus Snow antes de se tornar presidente, na época da 10ª edição dos Jogos. Depois de listar tudo que você precisa saber antes de ler o livro, trazemos agora nossas impressões e o veredito da obra. Confira!

Uma viagem no tempo

O anúncio do novo livro pegou uma porção de fãs da saga de surpresa, ainda no ano passado. Se não pelo fato de um material inédito estar a caminho, pela história que a autora escolheu contar. Situada 64 anos antes do eventos do primeiro livro de Jogos Vorazes, a narrativa fala de uma época em que Katniss e Peeta não eram nascidos, mas o Presidente Snow era ainda um jovem estudante na Capital.

Em um mundo distópico, a América do Norte se transformou em Panem após uma série de desastres naturais. Politicamente, a nação é estruturada com 13 distritos ao redor da Capital – sendo que o décimo terceiro foi destruído no fim de uma guerra civil dentro do país, quando os distritos se revoltaram contra a exploração da Capital. É nesse mundo que vive Coriolanus Snow, um jovem que busca manter a pompa da “grande” casa Snow que, após perder sua fonte de renda durante a rebelião, sobrevive à base da pouca influência que o nome da família ainda lhe concede.

Coriolanus vive com sua avó patriota e sua prima Tigris, uma jovem estilista (que conhecemos de A Esperança, mas não sabíamos do parentesco). Estudante da renomada Academia, o jovem Snow enxerga a oportunidade de sua vida quando é selecionado para ser o mentor de um dos tributos da décima edição dos Jogos Vorazes. Para seu azar (ou sorte), Snow é encubido de mentorar a tributo feminina do Distrito 12, a cativante Lucy Gray Baird, com quem ele desenvolve uma relação especial.

Foto: Marília Candido

A escala social

Snow sabe muito bem a importância que o status de poder possui no mundo da Capital. É por isso que desde o início acompanhamos suas estratégias para passar a impressão de controle e de riqueza, ainda que esta não seja sua realidade imediata. De forma geral, a Capital sofreu muito com a guerra (os “Dias Escuros”) e o livro explora bem os impactos que o confronto trouxe para a vida antes luxuosa de cidadãos que, em alguns casos, não tiveram escolha senão recorrer ao canibalismo para não passar fome.

Um dos pontos mais válidos do livro está, em justamente, fazer um contraponto com a condição paupérrima que conhecíamos dos Distritos e mostrar que a própria Capital já vivenciou algo similar durante os Dias Escuros. Vemos que a humilhação sentida foi tão grande que a criação dos Jogos Vorazes como punição pela rebelião servia de fato como uma via de mão dupla, afirmando tanto para os subjugados quanto para a classe dominante o quanto a Capital era superior aos Distritos.

A mesa tinha virado de novo, com a Capital controlando o fornecimento e indo além, girando a faca no coração dos distritos com os Jogos Vorazes. Em meio à violência dos Jogos, havia uma agonia silenciosa que todos em Panem tinham sentido, o desespero por sustento suficiente para aguentar até o próximo nascer do sol.

A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes, pág 32.

Personagens

Uma das maiores dúvidas era se a trama iria justificar a maldade de Snow com algum grande trauma que o transformou na figura vilanesca que vimos na saga original. Apesar de passar por uns maus bocados, é perceptível que a índole do jovem sempre foi a de um garoto privilegiado que se acredita superior às outras pessoas e que não mediria esforços para, não só se manter em uma posição de poder, como para conquistar cada vez mais capital social.

Desde sua primeira aparição na Colheita, Lucy Gray Baird surge como uma figura que demanda a atenção de todos – de Snow, do público dos Jogos e do leitor. Podemos apenas imaginar o som de suas (muitas) canções, mas elas provavelmente soariam tão cativantes quanto as palavras transmitem. O relacionamento entre a artista e Snow assume formas um tanto interessantes ao longo do livro, e acompanhar a evolução dela se mostra um dos pontos fortes da obra.

O terceiro elemento central para a equação se torna Sejanus Plinth, estudante e também mentor de tributo que se torna uma espécie de amigo para Snow. Por ter ascendência dos Distritos, Sejanus desafia a visão extremista de justiça e abuso de poder dos Jogos e contrabalanceia o quão natural aquilo é para Snow. A lealdade entre os colegas é testada mais de uma vez, e podemos ver como a influência dessa relação foi um fator relevante na trajetória do futuro presidente. Personagens secundários, como a cientista Dra. Gaul, figura de poder tanto na Academia quanto nos Jogos, também são marcantes à sua própria maneira.

Foto: Marília Candido

Veredito

A política sempre foi um dos campos que a saga Jogos Vorazes retratou com um olhar mais atento. Aqui, isso é potencializado por questionamentos acerca da natureza humana em sociedade.

“Assim fica evidente que durante o tempo em que os homens vivem sem um Poder comum que os subjugue, eles ficam em uma condição chamada guerra; e é uma guerra de todos os homens contra todos os outros homens.”

– Thomas Hobbes, Leviatã, 1651. Epígrafe do livro.

Narrativamente, a obra segue o padrão estilístico de Suzanne Collins. Os fins de capítulos em momentos de tensão obrigam o leitor a ir para a próxima página e tornam a leitura engajante. Nesse, que é o maior livro da saga (com 576 páginas na edição brasileira), a divisão em três atos bem demarcados beneficia muito a obra e o senso de progressão temporal, mostrando um amadurecimento na escrita de Collins.

A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes se configura como um presente muito bem-vindo até mesmo para os fãs mais exigentes da saga. Cerca de dez anos depois da publicação do primeiro livro, a nova obra lembra o quão rico é o universo de Jogos Vorazes e que, caso Suzanne deseje, ainda há potencial a ser explorado no mundo de Panem. Enquanto isso, torcemos para que a adaptação cinematográfica anunciada faça justiça ao material!

Pontos positivos

  • Divisão narrativa forte em 3 atos bem demarcados
  • Oferece uma janela enriquecedora para Panem logo após os Dias Escuros
  • Uso das letras de canções, que se encaixam bem ao longo da obra 
  • Passado de Snow contribui para o desenvolvimento de personagem

Pontos negativos

  • Pode não ser tão claro para quem não é fã da saga
  • Seção dos Jogos um pouco apressada

NOTA: 8,9