Veredito de Tenet

29/10/2020 - POSTADO POR EM Filmes

Por onde começar a falar sobre um filme tão decisivo para indústria cinematográfica em 2020? A persistência de Tenet em ser a primeira grande estreia após a reabertura dos cinemas durante a pandemia o transformou em um “cordeiro de sacrifício” para as análises de mercado. Dois meses após começar a ser exibido em países europeus e, pouco a pouco em outros mercados internacionais, o filme acumula uma bilheteria de 341 milhões de dólares (de um orçamento de 205 milhões) – um resultado no mínimo aquém do esperado, que fez com que todos os outros estúdios adiassem seus grandes lançamentos para 2021 ou para o streaming.

Fato é que, tanto como o palíndromo que é a palavra-título (não importa por onde começa-se a ler Tenet, seja do início ou do fim), o desfecho é o mesmo: Tenet estava fadado a dar o que falar, mesmo em um ano não-pandêmico. Por toda a complexidade envolvida, a conversa em torno do longa de ação cerebral de Christopher Nolan não deve morrer tão cedo. Depois de diversos adiamentos, o filme finalmente estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta, 29 de outubro, e nós já assistimos a produção. Você confere o veredito, sem spoilers, agora.

Começo meio e fim

Explicar o plot de Tenet não é tarefa fácil, mas a premissa inicial encontra o protagonista John David Washington, membro da CIA, envolvido no mundo da espionagem internacional em uma tentativa de prevenir a “Terceira Guerra Mundial”, que pode trazer a aniquilação nuclear da população. Armado com uma palavra, Tenet, ele então se depara com o conceito de entropia reversa, que faz a matéria se mover em um fluxo temporal contrário.

Por mais confusa que possa parecer a ideia, ela é apenas a superfície da história, uma vez que suas implicações práticas são ainda mais inusitadas. Após a sequência inicial (que havia sido veiculada ano passado antes de Star Wars – A Ascensão Skywalker em salas IMAX), outros personagens aparecem no caminho do protagonista, como seu aliado Neil (Robert Pattinson), e a avaliadora de arte Kat (Elizabeth Debicki), presa em um casamento afundado com o oligarca russo Andrei Sator (Kenneth Branagh). Todos de alguma forma o auxiliam a obter novas peças para montar o quebra-cabeça por trás de Tenet.

Imagem: Divulgação

Inversão

Nolan sempre gostou de “brincar” com a passagem do tempo em suas produções, em especial em títulos como A Origem (2010), Interestelar (2014) e Amnésia (2000), com sua narrativa não-linear. Mas é seguro dizer que nenhum desses filmes mexeu com o fluxo temporal tanto quanto Tenet. Ainda que não trate diretamente de “viagem no tempo” através de saltos temporais, o conceito de inversão do tempo abre diversas possibilidades paradoxais.

À essa altura, já existem certas expectativas de um filme de Christopher Nolan, e o diretor as atende com primor, transformando Tenet em um entretenimento de alto calibre. Mas, por outro lado, essa expectativa pode ser uma faca de dois gumes uma vez que esta é a produção mais “nolanesca” de Nolan, operando dentro de uma espécie de fórmula do diretor. Somente ele poderia fazer esse filme – não é à toa que sua carreira o consagrou como um dos diretores mais cultuados em atividade hoje – mas seria interessante vê-lo ~inverter as coisas e deixar a sua marca explorando outro gênero, fosse um terror ou até uma comédia para variar.

Imagem: Divulgação

Friamente calculado

Se o conceito de tempo invertido é capaz de dar um nó na cabeça, a contrapartida visual é deveras recompensadora com cenas de ação cuidadosamente executadas que mesclam elementos seguindo tanto em frente quanto para trás no tempo. Como uma cientista diz ao protagonista quando a bala ao invés de sair de sua arma retorna para ela: “Você não está atirando o projétil. Você está capturando-o”.

A preferência de Nolan por usar efeitos práticos traz ótimos resultados e confere um visual bastante “real” para o filme. As locações usadas ao redor do mundo e os figurinos elegantes – em especial os ternos de grife do protagonista e a alta costura utilizada por Kat – também elevam os elementos estéticos e facilitam o trabalho do diretor de fotografia Hoyte van Hoytema, seja em salões de jantar fechados ou na amplitude de paisagens como o litoral da Itália.

John David Washington está formidável como um protagonista de ação, trazendo todos os atributos necessários. Pattinson merece destaque pela abordagem suave de seu personagem, mas quem rouba a cena é Elizabeth Debicki. Talvez por ter mais cenas que abram espaço para uma vulnerabilidade emocional, a atriz tem a oportunidade de demonstrar um grande alcance dramático. Curiosamente, quem parece meio off aqui é Kenneth Branagh, que deixa a bola cair em alguns momentos com uma interpretação um tanto cartunesca da figura do vilão.

Imagem: Divulgação

Veredito

Tenet é um filme que grita “cinema”. Filmado com câmeras IMAX, típico do diretor, a experiência do filme em uma sala do formato então é ainda mais intensa, barulhenta, imersiva e desconcertante – do jeito que ele queria. A trilha de Ludwig Göransson, vencedor do Oscar pelo trabalho em Pantera Negra, pega emprestado alguns elementos do até então colaborador fixo de Nolan, Hans Zimmer, enquanto investe em sintetizadores mais pesados e implacáveis, contribuindo para uma paleta sonora tão rígida como o resto do filme. Para um público amplo, pode ser até intenso demais, com sua frieza quase opressora.

Considerando tudo, Tenet oferece a máxima experiência de cinema que se pode ter em uma sala fechada, usando máscara por duas horas e meia. Recheado de paralelos internos, o longa possui camadas que vão pouco a pouco se revelando – algumas melhores que outras – em meio a uma cacofonia de ação temporal, operando em um alto nível cinematográfico e utilizando-se dos melhores recursos do meio.

Pontos positivos

  • Cenas de ação bem executadas
  • Conceito original de inversão temporal
  • Elenco, no geral, competente
  • Trilha de Ludwig Göransson
  • Belas locações e figurino
  • Efeitos especiais práticos

Pontos negativos

  • Mixagem de som 
  • Confuso à primeira vista

Nota: 9,0