Veredito de O Diabo de Cada Dia

14/09/2020 - POSTADO POR EM Filmes

O crime e a escuridão humana que parece aflorar em pequenas cidades estadunidenses já foram retratados incontáveis vezes no cinema hollywoodiano. Marcos dos Irmãos Coen como Onde Os Fracos Não Têm Vez, de 2007, são grandes exemplos de como a falta de esperança e perspectiva em lugares inóspitos cria uma terra corrupta e sem lei. 

A Netflix lança nesta quarta (16) o longa O Diabo de Cada Dia, do diretor Antonio Campos, que trata desses temas, adicionando ainda o fanatismo religioso. No elenco contamos com nomes como Tom Holland, Robert Pattinson e Bill Skarsgard. Nós recebemos acesso antecipado ao filme e você confere agora o veredito.

O mal à espreita

Baseado no livro de Donald Ray Pollock, o filme segue uma porção de indivíduos cujos caminhos se cruzam com consequências quase sempre trágicas. O ponto de partida é Willard (Bill Skarsgard), que, após voltar da II Guerra Mundial, ainda sofre com flashbacks dos horrores do campo de batalha. Ele se apaixona pela gentil garçonete Charlotte (Haley Bennett), os dois se casam em Ohio e tem um filho, mas a moça logo adoece e a família entra numa espiral de fé, oração e até sacrifício para que ela vença o câncer.

Anos depois de sua infância traumática, o filho do casal, Arvin (Tom Holland), agora mora com a avó, um tio-avô e a irmã adotiva (Eliza Scanlen), cuja mãe (Mia Wasikowska) foi morta. Outros personagens começam a orbitar seu universo, como o recém-chegado pastor Teagardin (Robert Pattinson), e, da cidade vizinha, os doentios cônjuges Carl (Jason Clarke) e Sandy (Riley Keough), cujo irmão (Sebastian Stan) é o xerife corrupto das redondezas.

Por essa premissa, já se percebe que este é um filme em que não faltam personagens e histórias paralelas. Enquanto o livro de Pollock, mesmo curto, faz um trabalho fenomenal de esclarecer o contexto miserável das pessoas em cada trama, o filme de Campos, mesmo longo (com 2h18min), falha em desenvolver adequadamente seus vários coadjuvantes e compromete o quanto a audiência se importa com cada um deles.

Imagem: Divulgação

Sujando as mãos

Ainda que leve mais de 40 minutos até aparecer em tela, o rosto central do longa é Tom Holland, que fez carreira como o novo Homem-Aranha. Inclusive o encontro de figuras do Universo Cinematográfico da Marvel (MCU) é forte aqui. Antes de Sebastian Stan (o “Soldado Invernal” da Marvel) assumir o papel do xerife, Chris Evans (o eterno Capitão América) tinha sido escalado. Jake Gyllenhaal, que interpretou o Mysterio em Homem-Aranha: Longe de Casa, ainda atua como produtor em O Diabo de Cada Dia.

Holland interpreta um personagem introspectivo com uma certa frieza, diferente de seus últimos papéis, mas ele não é um vilão aqui – muito pelo contrário. Quem rouba a cena, contudo, é o perverso pastor de Robert Pattinson, com seu sotaque e entonação de voz peculiares. Mesmo que em sua primeira aparição haja um certo controle, quando chega a hora, Pattinson atua por sua vida e o resultado é poderoso.

Imagem: Divulgação

 Veredito

Ao adaptar uma história tão abrangente em escopo, Campos, que também assina o roteiro, foi extremamente fiel ao livro, com uma porção de diálogos literalmente transpostos da página para a tela. Ainda que tirando o foco de alguns núcleos e removendo por completo outros, o diretor peca em reverenciar demais o material original, utilizando-se também de um narrador onisciente (a voz de Donald Ray Pollock – sim, o autor do livro) sem explicação alguma, um recurso um tanto preguiçoso para a narrativa.

O tom sorumbático do filme é sólido, enquanto o clima de suspense funciona melhor em algumas sequências do que outras (especialmente mais perto do fim). Entretanto, esse tipo de história já foi contado de forma mais efetiva e com mais zelo pelos personagens de diferentes gerações em longas como O Lugar Onde Tudo Termina (2012), de Derek Cianfrance. Aspectos técnicos como a direção de fotografia e a trilha sonora também ajudam a elevar este exemplo, ao passo que na produção da Netflix eles não fazem feio, mas dificilmente são marcantes.

No fim, O Diabo de Cada Dia se mantém vivo por mérito de seu elenco amplamente capaz. O poder da história de Pollock também é perceptível, ainda que diluído. O que poderiam ser catarses emocionais certeiras, muitas vezes passam como elementos de choque ou reviravolta baratos. O resultado é uma produção perfeitamente assistível, mas se Campos tivesse construído a narrativa com um recorte mais específico e com mais paciência, poderia ter entregado um filme realmente grandioso.

Pontos positivos:

  • Elenco que sustenta o longa 
  • História sólida com motes sombrios

Pontos negativos:

  •  Falta de desenvolvimento dos personagens
  •  Narração injustificada empobrece a narrativa
  • Abundância de tramas leva à perda do foco

NOTA: 7,0