Veredito de Dois papas

27/01/2020 - POSTADO POR EM Filmes

Indicado a três categorias do Oscar, o novo filme de Fernando Meirelles (“Cidade de Deus”), produzido pela Netflix, nos joga entre as visões conflitantes das figuras mais icônicas da igreja deste século: Jorge Bergoglio, vulgo Papa Francisco, e Joseph Ratzinger, outrora Papa Bento XVI. O encontro entre os dois pontífices desembrulha debates sobre a religião e como ela pode ajudar – ou atrapalhar – os desafios que o representante maior da Igreja Católica enfrenta. Confira o que achamos de “Dois Papas”!

Bergoglio cardinale… Ratzinger cardinale

Após a morte do papa João Paulo II, em 2005, paira nos ares do Vaticano a dúvida sobre o novo representante máximo da Igreja Católica entre os homens. A “disputa”, porém, já está bem encaminhada para o alemão Joseph Ratzinger (Anthony Hopkins), um dos maiores intelectuais teístas ainda vivos, se tornar Bento XVI, o novo papa.

Ao longo dos anos na posição e com as polêmicas sobre abuso sexual na Igreja e as crescentes acusações de Ratzinger ter feito parte do partido nazista, embora sua família não tenha apoiado o regime, desgastou o pontífice. 

Quando o bispo argentino Jorge Bergoglio (Jonathan Pryce) deseja o encontrar para tratar sobre sua aposentadoria compulsória após anos de serviço em Buenos Aires, o alemão abre as portas de seus cômodos e de sua reservada vida. Assim, ambos poderão dialogar sobre o futuro da Igreja e sua atuação como líder de milhões de adeptos.

Foto: Divulgação

Sacrum et Profanum

“Quando assinei, percebi que o filme era apenas dois homens conversando muito sobre religião e igreja e isso podia ser chato. Então, meu desafio era tornar a história mais cinemática e interessante, e minha aposta foi tentar deixá-la mais íntima. Em vez de fazer um filme sobre um papa falando com um cardinal, quis fazer um longa sobre dois homens que discordam em tudo, na tentativa de achar um denominador comum”, relatou o diretor Fernando Meirelles em entrevista ao site GoldDerby. 

De fato, abordar temas considerados “sagrados” de uma maneira menos formal é o diferencial do cineasta brasileiro no longa. Até os mais radicais à Igreja viram, com as complexas, mas próximas discussões dos pontífices, um ótimo trabalho de roteiro. Este tinha tudo para se tornar tedioso, porém subverte as expectativas ao prender a curiosidade de quem acompanha o embate ideológico e quase maniqueísta de dois idosos que procuram o melhor para a comunidade – católica ou não -, tão decepcionada com a Igreja.

Meirelles sabe quando tocar com capricho ou com mais força temas controversos no universo religioso, como até onde vai a autoridade eclesiástica em contextos de crise social (guerras, refugiados, eleições, etc). A fotografia de César Charlone aproveita o largo cenário de jardins e salões em tópicos mais abrangentes e menos delicados enquanto Ratzinger e Bergoglio ainda estão se aproximando. 

Quando o debate cai em assuntos mais íntimos tanto da igreja quanto do papa, o ambiente se torna mais enclausurado e os ângulos mais fechados nas duas figuras, que confessam um ao outro suas maiores apreensões diante de desafios que não souberam ou não sabem como lidar.

Foto: Divulgação

Habemus Papam!

Não é spoiler que Bergoglio se torna, em algum ponto do longa, o novo papa após a renúncia de Ratzinger. Mais desenvolto e acessível que seu antecessor, conhecemos um novo lado do argentino que veio ao público anos depois, quando ainda era padre durante um regime ditatorial no seu país, que prendia e matava quem se opunha às suas ordens.

Embora os flashbacks à Argentina durante a ditadura de Videla, no final da década de 1970, quebrem o ritmo da conversa entre os pontífices, suas inserções são necessárias. 

Entender o passado de Jorge em uma época tão sombria na história da América Latina traz uma carga dramática extra ao personagem, construindo um antes jesuíta incapaz de lutar contra o regime em um ancião que procura compensar suas falhas da maneira que pode agora.

Foto: Divulgação

Veredito

A Netflix acerta mais uma vez em apostar em produções com um diretor e atores – esses, então… – consagrados para chegar firme no Oscar 2020. Embora as atuações de Pryce e de Hopkins sejam o pilar do longa, nenhum sai na liderança das apostas de vencedor nas categorias. 

O roteiro também foi indicado, com base nas adaptações que o próprio Meirelles revelou sobre o fictício encontro entre os personagens. Na realidade, somente depois de Bergoglio assumir o papado, ambos puderam ter a esperada conversa. “Todos os diálogos, tudo isso bebe de discursos, entrevistas e escritos (dos dois papas). O que dizem no filme é algo que já disseram em algum momento de suas vidas”, contou o brasileiro ao jornal USA Today. 

Apesar das chances também serem baixas na categoria de Roteiro Adaptado, o serviço de streaming reafirma seu potencial de investimento e interesse em garantir estatuetas na grande premiação. No total, são 24 indicações para 8 produções da Netflix.

“Dois Papas” não é a melhor entre elas, mas entrega uma história difícil de ser ministrada com competência e até, por vezes, leveza, quando vemos o papa argentino vibrando por seu time de futebol e tirando sarro de seu antecessor durante a final da Copa do Mundo de 2014. Foi mentira? Sim. Mas a imagem do bom moço de Francisco I está mais forte do que nunca.

Pontos fortes

  • Medida certa entregue pelos atores ao se tratar de um possível embate “bem x mal” na figura dos dois pontífices
  • Direção potencializa bem o roteiro para evitar tédio

Pontos fracos

  • Quebra frequente de ritmo com alguns flashbacks e outras interrupções narrativas

NOTA: 8,5