Veredito de Aftersun

12/12/2022 - POSTADO POR EM Filmes

Cada pessoa tem sua maneira de lidar com o luto. Até o conhecermos, não sabemos bem qual a nossa própria forma de enfrentá-lo – ou de acolhê-lo. 

Aftersun é uma espécie de aviso em formato de ficção do quanto devemos aproveitar e relembrar os momentos com aqueles que amamos. A escocesa Charlotte Wells estreia na direção de um longa-metragem com essa homenagem semi-autobiográfica, que já está nos cinemas brasileiros e ficará disponível depois no MUBI.

Rebobinando memórias

Sophie (Frankie Corio/Celia Rowlson-Hall) assiste uma antiga fita com filmagens suas e de seu pai Calum (Paul Mescal) durante férias que passaram juntos na Turquia, 20 anos atrás, quando ela ainda era criança. 

O clima de diversão entre os dois é constante, com a jovem prestes a completar 11 anos de idade e ele, 32. Calum e a mãe de Sophie não estão mais juntos, então o pai sempre parece querer aproveitar os poucos dias que terá com a pequena antes de se separarem novamente.

Porém, toda essa descontração não esconde um ar melancólico e até misterioso sobre o amoroso pai. A própria estrutura do filme ao voltar ao passado e rapidamente transitar entre o presente de Sophie indica que há peças faltando tanto para nós que assistimos quanto para a filha, como se ela procurasse nas filmagens, além da nostalgia da infância, momentos que revelassem algo a mais sobre o pai.

Imagem: Divulgação

A falta tardia

A tendência quando lembramos de pessoas queridas é rememorar momentos divertidos e felizes. Afinal, a infância é a melhor época para criá-los e, infelizmente, não nos damos conta da falta que eles farão – ou se os personagens da nossa história irão permanecer da mesma forma.

“Se eu pudesse voltar e mudar alguma coisa seria para fazê-lo ainda mais alegre, para me dar mais cenas para capturar esse sentimento, porque a dor não existe sem a alegria, e a alegria é o que mais é lembrado”.

A diretora Charlotte Wells em entrevista para a revista Anothermag.

Abordar esse pequeno período de alegrias na visão de uma criança é o aspecto que deixa o longa mais puro, ciente de que uma cena sem impacto para adultos, como um mergulho em um lago, ganhe outras proporções para a memória de uma menina de 11 anos. Ou mesmo o oposto, quando uma curta linha de diálogo dita por Sophie não importe tanto para ela, mas seja o equivalente a um balde de água fria no pai.

Imagem: Divulgação

Veredito

São os pequenos detalhes que lentamente transformam Aftersun em um drama diferenciado. A falta de trilha sonora para suplicar uma emoção – com exceção de uma música -, a prioridade pelo discurso por meio da imagem com uma câmera paciente, sem pressa, como se quisesse curtir aqueles momentos ao máximo, a escolha por destacar o improviso e a excelente química dos protagonistas…

É tudo muito genuíno e reconfortante em certo ponto, até se tornar doloroso e confuso no final. E isso não é um problema, pelo contrário: é a capacidade da arte em modular processos que demorariam dias ou até anos para de fato decantar. A cena com a música Under Pressure do Queen e do Bowie exemplifica bem isso pois enfim sentimentos fisicamente o luto da protagonista. Sem diálogos, mostrando pouco e com uma das melhores montagens de 2022 através da canção.

Você não sabe e nem saberá o que aconteceu com Calum nos 20 anos seguintes. Se ele apenas se afastou de sua filha, desapareceu ou morreu, não importa. O espaço causado pela sua ausência continua e a Sophie de 32 anos ainda não sabe ocupá-lo, e nem precisa, na verdade. A preocupação quanto à sua saúde mental só foi percebida tempos depois, provavelmente tarde demais, e são poucos os sinais expostos durante aquelas férias para definir sua situação com mais certeza.

Aftersun nos ajuda a recordar, em especial próximo às festas de fim de ano, o quanto estar consciente dos momentos contentes que vivemos é importante. Com a família, com os amigos, com seus bichinhos, etc. Não sabemos quando será nosso último momento com eles, mas a dor de perdê-los não tem fim.

Pontos Positivos

  • Química excelente dos protagonistas
  • Montagem simples que abre debates interessantes sobre a trama

Pontos Negativos

  • Necessidade de revisão do filme para “pegar” alguns fatos

Nota: 9,5