Veredito de A Voz Suprema do Blues

27/12/2020 - POSTADO POR EM Filmes

Quando o produtor Denzel Washington juntou Viola Davis e Chadwick Boseman para contar a história da “Mãe do Blues” Ma Rainey, os envolvidos provavelmente estavam cientes do potencial que o projeto tinha para figurar como um candidato sério na temporada de premiações. 

O que ninguém imaginava era que A Voz Suprema do Blues seria a última performance de Boseman – o intérprete do Pantera Negra faleceu em agosto deste ano devido a complicações de um câncer, que vinha sendo tratado em segredo. O longa já está disponível na Netflix e você confere o veredito agora.

Dançar conforme a música

Chicago, anos 1920. Antes do Blues ser um estilo predominantemente associado à homens, as mulheres foram peças centrais para sua disseminação, viajando pelos Estados Unidos e se apresentando como vocalistas de pequenos grupos do gênero musical. Ma Rainey (Davis) foi uma dessas mulheres, e seu impacto foi tão significativo que lhe rendeu a alcunha de “Mãe do Blues”

Entretanto, não era fácil para uma mulher negra assumir uma posição de estrelato sem precisar enfrentar não só o machismo como racismo pungentes na época – e que se desdobram até hoje. Por mais que seu talento e capacidade fossem inquestionáveis, precisamos assistir Rainey desafiar seus empresários e produtores (brancos) com muita astúcia para ser respeitada.

Acompanhando “um dia na vida” de seus personagens, o longa dirigido por George C. Wolfe se situa bem no contexto histórico da Grande Migração, período em que 6 milhões de afro-americanos do sul rural dos Estados Unidos se mudaram para regiões mais ao norte do país em busca de melhores oportunidades – apenas para se deparar com a onipresente injustiça social.

Foto: Divulgação

Conversas elucidativas

O filme é baseado na peça teatral Ma Rainey’s Black Bottom, de August Wilson, mesmo autor da peça que deu origem ao longa Fences (2016), pelo qual Viola Davis levou seu primeiro Oscar. A Voz Suprema do Blues é superior a este ao se mostrar conciso e objetivo com seus 94 minutos.

Semelhante a outra adaptação teatral lançada pela Netflix este ano (The Boys In The Band), o longa de época transita por pouquíssimos sets e é carregado pelo diálogo entre os personagens, que expõem os dramas de sua minoria social. A maior parte dos eventos ocorre durante uma sessão de gravação em estúdio, e enquanto aguardam Ma chegar e se preparar para fazer a gravação, os membros da banda discutem sobre uma série de assuntos.

Entre os integrantes do grupo, estão Levee (Boseman), Cutler (Colman Domingo), Toledo (Glynn Turman) e Slow Drag (Michael Potts). Os diálogos estabelecidos entre eles apresentam um retrato de injustiça social e reflexões que perpassam embates geracionais, fé, expectativas, paixões e carreira.

Foto: Divulgação

Veredito

Levee, o membro mais jovem da banda, também compõe músicas e tem a ambição de criar sua própria banda. Boseman traz uma energia nos olhos que dá vida ao personagem, que protagoniza atritos com a Ma de Viola Davis. Não foi à toa que a Netflix os colocou no centro da divulgação do filme e deve fazer campanha para as categorias principais de atuação no Oscar. A indicação já é praticamente certa.

Ao passo que o roteiro poderia ter passado por um processo de “adaptação” melhor para o cinema, os aspectos técnicos brilham com figurinos, sets, e design de produção virtuosos. Cenas introdutórias apresentam centenas de figurantes numa construção de cena digna de nota.

Por fim, A Voz Suprema do Blues se apresenta como um retrato bastante relevante das explorações e violações cometidas contra artistas negros num processo de apropriação por parte da indústria da música. São evidentes as disputas de poder e negociações travadas para garantir o mínimo de dignidade e respeito à que Ma ou Levee tinham direito em respeito a sua arte. A diferença com que cada um lida com isso é o grande ás do filme, proporcionando a Chadwick Boseman o que talvez seja sua melhor atuação em uma carreira curta, mas cujo legado foi sem dúvida imortalizado.

Pontos positivos

  • Conciso e objetivo
  • Retrato de injustiças sociais que perduram até hoje
  • Atuações magníficas, especialmente de Boseman e Davis

Pontos negativos

  • Adaptação poderia ter sido mais inventiva

Nota: 8,0