A Bela e a Fera estão mais próximos que nunca

15/03/2017 - POSTADO POR EM Filmes

O conto de fadas de Gabrielle-Suzanne Barbot de Villeneuve foi contado muitas vezes e todo mundo já conhece: uma jovem fascinada por literatura e sedenta de aventuras vê-se em um dilema quando seu pai é mantido preso em um castelo encantado. Colocando-se em seu lugar e em troca da própria liberdade, ela passa a conviver com o monstro que habita o lugar, ainda sem saber que na verdade se trata de um príncipe que foi amaldiçoado por sua arrogância.

O primeiro filme de animação da história a ser indicado ao Oscar de Melhor Filme ganhou nesta semana a sua versão live-action. O musical da Disney foi definitivamente o longa mais esperado dos últimos tempos. Valeu a pena esperar? Descubra agora, sabendo que a matéria vai revelar alguns spoilers. Sim, há mais coisas sobre “A Bela e a Fera” além do que já sabemos.

O que há de novo agora?

Os estúdios de animação nos anos 1990 já podiam desenvolver técnicas surpreendentes. Já na atualidade, especialmente para este filme, o desafio seria misturar atores de carne e osso com os objetos falantes da Fera. O resultado final dessa empreitada é muito bonito de se ver, mas os bastidores para quem trabalha com esse tipo de simulação deve ser excruciante, e não só para os atores que têm de gravar em uma sala de estúdio, às vezes sem sequer encontrar seus “colegas de cena”.

Os efeitos visuais exibidos são tão bem executados, que o espectador quase esquece que Emma Watson não está falando com um relógio ou um castiçal andantes. Uma sequência que na animação é apenas caricata, no filme se torna hipnotizante: a luta entre os moradores da vila com o artigos de decoração. A propósito, o carisma desses personagens virtuais é tão grande, que um dos momentos mais emocionantes do filme é quando tudo parece estar perdido, a última pétala da flor enfeitiçada cai enquanto a Fera está abatida, e os objetos começam a perder a vida, tornando-se meras antiguidades espalhadas no pátio coberto de gelo do castelo.

Uma canção interpretada por vários desses objetos (“Human Again”), que no desenho torna-se alívio cômico, foi trocada por uma inédita (“Days in the Sun”) e ganha um tom extremamente melancólico. Já a clássica cena do jantar (“Be Our Guest”) é tão mágica quanto a primeira e acerta em cheio na nostalgia.

Mais algumas coisas aconteceram

Outro ponto forte do longa é que agora podemos conhecer um pouco mais do passado do casal protagonista, o que acabou conferindo profundidade aos personagens. No original, o relacionamento de Bela com a Fera parece ser elevado com um evento singular e marcante – a fuga da Bela e a luta da Fera com os lobos para salvá-la –, seguido de momentos de ternura ao som de “Alguma Coisa Aconteceu”.

Agora, cenas inéditas nos dá chance de saber o que aconteceu com a mãe de Bela e como foi para o príncipe Adam (sim, esse é o nome real da Fera) crescer na realeza. Dessa forma, foi possível entregar com mais verossimilhança a trajetória de cada um, mas sobretudo da relação entre os dois. Essas ocasiões são acompanhadas de músicas também novas, escritas por Tim Rice. As clássicas originais também estão lá, com o letrista Howard Ashman e o compositor Alan Menken fechando o time.

Sabe aquela cena em que Bela e a Fera dançam no salão? Diferente do desenho, em que o espaço era gigantesco e o casal aparecia como um pequeno ponto em um céu de luzes e brilho solar, dessa vez o ambiente parece menor, mais íntimo até, reforçando essa ideia de que os dois estão mais próximos um do outro. Eles de fato se conhecem melhor agora.

Para uma geração que estava acostumada com as versões brasileiras (e tão cativantes) da animação, reconhecer as canções nas vozes dos atores nos permite uma experiência madura e ainda mais rica. Por incrível que pareça, se você comparar com as originais, as interpretações de agora têm um toque diferente e especial. E se acha que Ariana Grande e John Legend jamais poderão substituir Celine Dion e Peabo Bryson, vai ficar feliz em saber que a diva canadense foi convidada a cantar uma das músicas que está incluída na trilha sonora.

Não exatamente uma princesa

Com as palavras do diretor Bill Condon, Bela “é na verdade a primeira princesa moderna da Disney que não quer ser uma princesa”. Para alguém que está mais interessada em descobrir quem ela é do que encontrar um cara e se casar, a preocupação maior do cineasta era garantir que ela fosse verdadeiramente uma heroína do século XXI. Esse traço de caráter é melhor traduzido desde o desenho animado, na cena-chave em que tudo foi preparado para organizar o cenário perfeito para o casal e, após a dança, Bela decide voltar para casa e salvar seu pai.

No entanto, a qualidade singular da moça ganha outras camadas de relevância no novo filme, como quando ela é repreendida por ensinar uma garota a ler enquanto lava suas roupas ou quando ela parte para a luta, a cavalo, a fim de rever a Fera após ajudar seu pai, deixando o lendário vestido amarelo jogado no chão e usando apenas uma espécie de camisola de época, um vestido branco.

Tudo isso foi possível graças ao trabalho em parceria entre os roteiristas, Stephen Chbosky e Evan Spiliotopoulos, o diretor e Emma Watson, que por sinal é Embaixadora da ONU Mulheres e foi parte crucial no lançamento da campanha feminista HeForShe (“Eles por Elas”). A atriz está cada vez mais envolvida com a causa e, no melhor estilo da combinação “Hermione/Bela”, ela mantém um clube de leitura focado somente nas autoras de luta: é o Our Shared Shelf. Qualquer pessoa que tenha uma conta no Goodreads pode participar!

Mais uma curiosidade: Emma interveio na construção da sua personagem quando soube que a adaptação de Maurice, pai de Bela, seria um pouco diferente da versão original. Seu lado “inventor” foi trocado por um elemento mais artístico, genial e sensível ao mesmo tempo. “Podemos usar isso para a Bela?”, Watson perguntou. Então a heroína se tornou como uma contraparte do próprio pai, ajudando-lhe com soluções inteligentes e inovadoras. A máquina de lavar, por exemplo, é ela quem cria para poder ler enquanto realiza a tarefa doméstica.

O legado

Ao mesmo tempo em que procura reproduzir com tamanha fidelidade as cenas clássicas do filme de 1991, inclusive com falas idênticas, o remake está mais atualizado e contém algumas diferenças cruciais. Um exemplo que pode passar despercebido é a tentativa de homicídio de Gaston (interpretado por Luke Evans) contra Maurice (Kevin Kline). No filme original, a saída para o conflito é relativamente leve, mas o live-action exigia algo mais denso.

Adaptar um conto de fadas para os tempos atuais, porém, requer passos largos. Corajosos, até. Na Rússia, o filme foi classificado como impróprio para menores de 16 anos porque sugere “relações sexuais pervertidas”. O deputado Vitaly Milonov considerou a “incerteza sexual” do personagem LeFou (vivido com maestria por Josh Gad) ofensiva. No estado do Alabama (EUA) alguns cinemas chegaram a tirar o filme da programação, enquanto que na Malásia foi “adiado até novo aviso”.

De fato, o personagem comparsa de Gaston parece nutrir fortes sentimentos em relação ao vilão. E a sequência final do filme, em que vários casais aparecem dançando em um baile, durante uma troca entre os pares, LeFou aparece feliz e sorridente quando acidentalmente outro homem o toma em seus braços. Esse mesmo figurante, se prestar atenção, protagoniza uma cena em que o guarda-roupa (Audra McDonald) começa a atirar tecidos coloridos em três moradores da vila e troca suas roupas para vestidos e perucas da aristocracia francesa, exaltando: “Sejam livres!”. É como Ewan McGregor (que faz Lumière) disse em uma entrevista: “Não, eu acho que [LeFou] é um personagem gay. É 2017, pelo amor de Deus”.

Mais um aspecto interessante é a participação de alguns personagens (embora em minoria) negros, como a Plumette (Gugu Mbatha-Raw). Vale lembrar que em 2016, a Disney escolheu um ator indiano para fazer Mogli e anunciou recentemente que está procurando representatividade árabe para o live-action de “Aladdin”. Esperamos que para o remake de “Mulan” também venham atrizes chinesas!

Parece que esse ano era realmente o momento ideal para relançar um dos carros-chefe dos estúdios de animação mais ricos do mundo. A combinação do elenco com um diretor cuidadoso; uma dupla de roteiristas com a equipe musical original; além de figurinos e direção de arte impecáveis resulta em um filme digno de ir além do desenho animado. Ao fim das contas, a Disney pode superar as expectativas de um clássico que marcou a nossa geração? A resposta é simples: pode.

Foto: Divulgação