Quando o diretor Ari Aster lançou seu primeiro longa metragem, “Hereditário”, no ano passado, ninguém imaginava que ele rapidamente se tornaria um grande nome para o emergente cinema pós-terror (termo que classifica produções do gênero que não se apoiam nos tradicionais jumpscares, apostando ao invés disso em mais sutileza para provocar medo no público). Sendo assim o seu novo trabalho, “Midsommar – O Mal Não Espera a Noite”, veio acompanhado de um certo hype da audiência engajada na categoria.
Vamos agora comparar o que as duas obras têm em comum e no que o diretor pode ter se diferenciado ou evoluído de um filme para o outro.
*ATENÇÃO: O TEXTO A SEGUIR CONTÉM SPOILERS.
Construção
Algo em comum que percebemos ao analisar ambos os filmes é que o diretor preza por desenvolver a sua história em um ritmo mais lento do que o grande público está acostumado. Isso pode afastar uma audiência que talvez não se sinta tão aberta a fugir do modelo habitual que se tece nos filmes de terror mais comuns.
A princípio parece que estamos vendo uma produção qualquer, já que o suspense é um elemento pouco escancarado no início, com apenas algumas sugestões. Ele só marca presença realmente do meio para o final da trama. O que constrói a atmosfera de terror é o fato de que mesmo estando tudo aparentemente calmo, os personagens nunca parecem estar seguros ou em paz.
Por exemplo, em “Hereditário”, Annie (Toni Collette) está sempre assombrada pelo luto por sua mãe e posteriormente por sua filha, assim mesmo tentando parecer forte, a sua figura é de uma mulher emocionalmente exausta. Já em “Midsommar” a protagonista Dani (Florence Pugh) também está passando por um processo de perda, mas antes disso já implica-se que ela é alguém com problemas de ansiedade e insegurança. Dessa maneira, você não consegue ver os personagens plenamente bem em nenhum momento.
Temática
Um dos temas que norteia as duas produções e que serve de pano de fundo influenciador (direto ou indireto) dos acontecimentos é o culto pagão. No caso de “Hereditário” há uma figura central que é o Rei Paimon, um dos Nove Reis do Inferno. É descoberto durante a trama que a avó da família tinha envolvimento com um grupo que pretendia trazer esse demônio de volta à terra e ela ficou responsável por conseguir seu hospedeiro.
A princípio o espírito foi colocado dentro de Charlie (Milly Shapiro), porém Paimon precisava de um corpo masculino, então ao longo do filme vamos a tentativa de transferi-lo para o filho mais velho, Peter (Alex Wolff). O final culmina com a reunião dos seguidores do demônio, vivos e mortos, em uma grande celebração por sua volta. É como o reencontro de uma família, em detrimento daquela que foi destruída para tal evento acontecer. O que não sabemos é o que Paimon irá oferecer a seus seguidores em troca desse feito.
Para a aldeia de Harga de “Midsommar” a ideia do culto é algo mais cultural e que faz parte do dia a dia daquelas pessoas. Toda a questão que envolve os sacrifícios e as cerimônias ritualísticas faz parte de ações para que se garanta a prosperidade do povoado, que anseia por fertilidade para suas terras e para suas mulheres.
No filme de 2019, não parece haver uma grande figura central para a qual dedicar as oferendas, se entende mais como se fosse um conjunto de deuses que fazem parte da natureza em si. Então apesar dessa seita ser culturalmente adversa, ela parece ter mais embasamento por almejar prosperidade em vez de sede pelo poder, como aparenta ser para os invocadores de Paimon.
Foto: Divulgação
Abordagem
Parece que a ideia que Ari Aster tem sobre o processo de luto é uma linha muito específica que mostra uma dicotomia entre o confinamento interno e turbulento da mente, por trás de uma fachada sã. Também deve ser algo que se estende quase como uma penitência para a pessoa, e só pode ser resolvido por atitudes drásticas – nem sempre com um final positivo.
Annie termina “Hereditário” como um corpo flutuante e sem cabeça após ter passado seus últimos minutos mergulhada em horror, tentando desesperadamente salvar sua família. Seu processo de luto foi encerrado de maneira brusca, pois em detrimento do culto e da figura de Paimon, isso não era relevante.
Dani vivencia o oposto ao ver todo o seu sofrimento ser acolhido pela comunidade de Harga e até mimetizado em certos momentos. Juntando isso com a sua decisão de queimar o próprio namorado Christian (Jack Reynor) em uma cerimônia local, o resultado é uma superação. A última cena do longa traz a garota sorrindo verdadeiramente pela primeira vez no filme. Naquela vila, ela encontrou sua redenção e está pronta para aceitar sua nova liberdade.
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E quem cumpre melhor o papel de terror?
Ari Aster conseguiu incutir uma boa dose de suspense e desconforto em ambas as produções, embora pelo modo como as histórias caminhem percebe-se que “Midsommar” é o que tem menos momentos de terror real e sangue explícito em tela. O que nos causa horror no longa é o estranhamento e o questionamento se as atitudes tomadas pelos cidadãos da vila tem validade como uma expressão cultural ou são apenas atitudes bárbaras.
Por meio da nossa visão ocidental tudo que acontece ali tem o quê de horror quando se comparados aos nossos costumes, mas não temos muitos momentos graficamente chocantes. Ainda sim o diretor consegue segurar o clima tenso, principalmente quando os visitantes da vila começam a desaparecer.
Em “Hereditário” temos mais momentos que inspiram o terror clássico, como cabeças decapitadas e corpos inanimados flutuantes. Aqui o horror é provocado pelas atitudes do demônio ao se infiltrar na casa, acabando pouco a pouco com todos os membros da família até conquistar o seu objetivo.
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