Se você é fã de histórias em quadrinhos, vem aí uma conversa exclusiva e muito interessante com Geraldo Borges. O quadrinista cearense conta como ingressou nesse mundo, os desafios de trabalhar em grandes editoras, como Marvel e DC Comics, e sua opinião sobre o mercado brasileiro de quadrinhos. Confira agora o nosso bate-papo.
Roteiro Nerd: Como você entrou no universo dos quadrinhos? Algo em especial lhe incentivou?
Geraldo Borges: Na verdade, sempre li quadrinhos, desde criança. Nao lembro ao certo, mas muito provavelmente uma revista da Disney ou da Turma da Mônica tenha sido meu primeiro ingresso neste universo. Minha mãe pintava, meu irmão desenhava um pouco, mais adiante na escola, encontrei amigos que também curtiam quadrinhos.
R.N: Logo no início de tudo, você produzia muitas fanzines independentes. O que significa “Capitão Rapadura” no contexto da sua trajetória?
G.B: Capitão Rapadura e o Mino, seu criador, tiveram uma importância fundamental na minha vida: primeiro, porque escrever/ desenhar na revista do Rapadura foi meu primeiro trabalho profissional e segundo, me permitiu conhecer e trabalhar com outras duas pessoas fundamentais na minha trajetórias, Daniel Brandão (Os Mundos de Liz, MSP, DC Comics) e JJ Marreiro (MSP); nós três juntamente com o Valdijanio Rodrigues, formamos a primeira “rapa-equipe”. E com Daniel e JJ, fizemos um fanzine chamado Manicomics, que serviu de escola e laboratório para que pudéssemos desenvolver nossas HQs, esta publicação também nos levou a 3 prêmios HQ MIX (a mais importante premiação de quadrinhos no Brasil) na categoria Fanzine. Com o Manicomics começamos a ficar conhecidos no mercado e ter contato com grandes artistas tais como Flávio Colin e Julio Shimamoto.
Imagem: Divulgação
R.N: Tempos depois, você teve a oportunidade de trabalhar com a Marvel, DC e Dark Horse. Quais foram os desafios até alcançar grandes editoras?
G.B: O primeiro, sem dúvida, foi acreditar que realmente poderia um dia trabalhar com os personagens que lia desde criança, isso foi um obstáculo muito difícil de ultrapassar… até porque hoje é legal dizer que sou desenhista de quadrinhos, as pessoas ficam admiradas; porém nos anos 90, não havia nenhum glamour em fazer HQs, ninguém via isso como algo que poderia ser um labor, um sustento. O segundo desafio começou com a distância física (morava em Fortaleza e as editoras ficavam nos EUA), em uma época sem internet (a qual eu teria acesso mais adiante), passando pelo idioma – não sabia ler, escrever ou falar inglês – até chegar no desconhecimento do mercado – não sabia como apresentar meu trabalho e nem a quem apresentar. E aí, nesse início, fazer parte de uma agência ajudou bastante a superar esses desafios.
R.N: Em entrevista para a Tribuna do Norte em 2018, você falou sobre a responsabilidade que era assumir o título X-Men diante da popularidade dos filmes. Como o seu trabalho contribuiu para o crescimento do universo mutante?
G.B: Tive a boa sorte e grande oportunidade de desenhar os X-Men numa época importante, no casamento do Colossus e Kitty Pride. Posso dizer, com muito orgulho, que ajudei a escrever um grande capítulo na história dos mutantes da Marvel. Também trabalhei com o Apocalypse, em uma série de reintrodução do personagem ao universo da editora, já que fazia um tempo que nada dele havia sido publicado. E, com o Wolverine, tive a chance de explorar um pouco um passado desconhecido do Logan.
R.N: Em 2019, tivemos o episódio de censura ao quadrinho Vingadores: A cruzada das crianças na Bienal do Rio de Janeiro. Como você enxerga essa situação?
G.B: Sempre enxerguei as HQs como uma mídia democrática e acessível a todos os públicos, porque essa é a sua essência, embora há gente que acredite que cultura deveria ser para poucos, ou de um jeito particular. Acontece que sempre vivemos num mundo em que respeitar as diferenças deveria ser algo comum. Hoje vejo como algo muito positivo cada vez mais diferentes públicos se enxergarem nos personagens de quadrinhos, que é uma mídia que acompanha e reflete as mudanças. Isso é legal não somente pelo respeito a quem antes não se via representado nas revistas, mas também pela ampliação de leitores, ajudando o mercado. No Brasil, definitivamente não há mais espaço para censura; a história já comprovou isso, mesmo que muitos ainda não aceitem esse fato.
R.N: Aproveitando o gancho, como você analisa o mercado de quadrinhos brasileiro? Há boas oportunidades para ilustradores?
G.B: O mercado do Brasil infelizmente ainda é pequeno, muitos artistas acabam partindo para o mercado internacional; há a urgente necessidade de estímulo à leitura, ampliação de leitores e mais incentivo a editoras e artistas. Embora que, de forma paradoxal ao pequeno mercado, nunca se produziu tanto e com tanta qualidade no Brasil, não me lembro de uma época tão rica de autores e publicações como a que vivemos hoje. Plataformas como o Catarse e algumas leis de incentivo cultural realmente ajudam nessa produção, como também o surgimento de editoras menores. Claro que ainda temos um longo caminho para formar um mercado que possa assegurar uma boa situação ao profissional, mas o momento para artistas não poderia ser melhor.
R.N: Qual o conselho que você dá para os novos profissionais que sonham em trabalhar escrevendo ou desenhando hqs?
G.B: Primeiro, o que move o artista a fazer HQs é a paixão, sem ela é bem difícil ou quase impossível seguir adiante; e no mesmo pacote, a coragem, porque não é uma trajetória fácil ou linear. Persistir nesse caminho cheio de obstáculos sem desistir é essencial para o novo profissional. E lembrar que HQs não tem a ver com “desenho”, tem a ver com “contar histórias”. Ter esses três pontos em mente já é um bom começo pra quem quer ingressar nessa área.
R.N: E para finalizar: o que significa ilustrar pra você?
G.B: No meu caso, ilustrar é dar vida, compartilhar uma história, um pensamento, uma angústia ou um anseio; é provocar um sorriso, um choro ou uma reflexão no leitor; é algo que vai sair do seu coração e alcançar o coração das outras pessoas, sem filtros. Esse é poder dos quadrinhos.