Veredito de Beau Tem Medo

25/04/2023 - POSTADO POR EM Filmes

Mais um filme da cultuada produtora A24 chega aos cinemas com alta expectativa de público. Trata-se de Beau Tem Medo, terceiro longa-metragem de Ari Aster, diretor de Hereditário (2018) e Midsommar: O Mal Não Espera a Noite (2019). Joaquin Phoenix (confirmado em Coringa 2) protagoniza o épico surrealista de horror e comédia com três horas de duração.

Mal o filme chegou aos cinemas e já dividiu as opiniões do público e crítica, sempre à espera de mais uma nova obra autoral da A24. Mas Beau Tem Medo realmente cumpre positivamente as expectativas relacionadas à produtora, ou é uma peça esquisitona sem sentido? É o que veremos a seguir.

Quem tem Beau tem medo

Beau Wasserman (Phoenix e Armen Nahapetian na fase jovem) é um homem introvertido que mora em um bairro caótico repleto de criminalidade e loucura. Acometido pela ansiedade, ele não tem amigos e pouco sai de casa, com medo de ser atacado pela vizinhança composta por drogados, assassinos pelados, mendigos violentos e prostitutas feias.

Mas Beau precisa lidar com um evento inesperado. Ele tem de viajar para reencontrar sua mãe, a empresária de sucesso Mona (Patti LuPone e Zoe Lister-Jones na fase jovem). O protagonista se sente inseguro com a decisão; no entanto, quando sabe que ela foi acometida por uma tragédia, Beau enfrenta todo o tipo de absurdo para chegar até seu destino.

Imagem: Divulgação

A odisseia da loucura

Quando falamos em A24, pensamos em filmes que não se prendem a enredos formulaicos e, por isso, são totalmente livres para exercer suas histórias e técnicas de filmagem. Podemos ver esses mesmos atributos em Beau Tem Medo, mas com a ressalva de que nada do que foi proposto por Ari Aster neste filme, em 180 minutos de duração, tenha alguma compreensão fácil.

Isso porque o cineasta encharcou o filme de tantos objetos, signos e significados que Beau Tem Medo é uma verdadeira bagunça semiótica. Enquanto o primeiro ato diverte e intriga com todas as maluquices vividas por Beau na sua vizinhança, à medida que o longa quer apresentar simbologias mais profundas sobre a personalidade do protagonista e sua jornada pessoal no segundo ato, o filme começa a ficar desinteressante, ainda que possua lampejos de pequenas soluções que seguram nossa atenção.

Só que, no terceiro ato, somos abatidos pela entrega ao absurdo sem lógica, onde devemos assumir que nada do que foi passado do começo até o fim faz o menor sentido. E se chegamos a essa conclusão, concluímos também que Beau Tem Medo se estende mais do que deveria. E isso não diz respeito apenas à duração.

O cerne da história é: temos um homem adulto, emocional e mentalmente, prejudicado pela proteção excessiva da mãe, que ela disfarça de amor incondicional. Se utilizasse recursos menos espalhafatosos para construir o enredo, poderíamos ter um drama classudo sustentado por um elenco prestigiado. Mas as decisões tomadas por Ari Aster na direção e roteiro dão a impressão de que o filme só tem lógica na cabeça de seu criador.

Imagem: Divulgação

Outros paralelos

Na história do cinema, vários outros filmes fizeram uso da jornada do herói em aventuras desafiadoras. Há também aqueles que usam da jornada para mascarar outros significados reflexivos. A luta do herói se mescla com seus medos individuais e os males da sociedade. Esses recursos, se bem usados, potencializam o poder da trama em oferecer mais que aventura ou entretenimento ao espectador.

Na categoria mais próxima de Beau Tem Medo, há exemplos que melhor executaram o surrealismo épico em suas odisseias, como os esotéricos El Topo (1970) e A Montanha Sagrada (1973), do cineasta franco-chileno Alejandro Jodorowsky, e até mesmo o recente Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (2022), da dupla de diretores Os Daniels.

Para efeito de comparação ao trabalho dos coleguinhas da A24, enquanto o ganhador do Oscar de Melhor Filme deste ano é um delicioso sci fi lisérgico com pertinentes problemáticas existenciais, Beau Tem Medo é o equivalente a um surto psicótico regado a remédios tarja-preta e drogas pesadas. Enquanto o primeiro faz rir por ser bem-humorado, o segundo faz rir de nervoso.

E neste filme precisamos falar da comédia. Questionamos as habilidades de Aster na direção do longa quando não sabemos se temos humor proposital ou involuntário em grande parte das cenas – ora exageradas, ora imprevisíveis. Isso se deve à atuação displicente dos atores que, presume-se, estão perdidos sobre qual situação da trama devem atuar de forma dramática ou conduzir aquele humor que orbita entre o sutil e o escrachado.

Só que no meio de tanta irregularidade, reconhecemos a assinatura facilmente identificável das obras de Aster em Beau Tem Medo, que é seu interesse em retratar instabilidades mentais. Vemos isso desde os primeiros trabalhos do cineasta, como nos curtas The Strange Thing About The Johnsons (2011) e Munchausen (2013), indo até os já citados Hereditário e Midsommar. Enquanto o protagonista tenta manter seu juízo no lugar, o absurdo dos outros dilacera sua saúde mental

Ao fim, vemos que em seu terceiro filme o diretor rapidamente tomou o caminho que muitos outros cineastas já tomaram: criar uma obra ambiciosa, do tipo “maior e melhor”, depois de um emergente sucesso na indústria. Assim como em Tenet (2020) de Christopher Nolan ou Babilônia (2022) de Damien Chazelle, o resultado dessa escalada é um filme tão inflado de pretensões eruditas que, na realidade, não chega a ser mais eficiente e interessante do que um filme dos Transformers ou da Marvel.

Imagem: Divulgação

Veredito

Em Beau Tem Medo, Ari Aster realiza um filme que, na mesma linha do livro Assim Falou Zaratustra (do filósofo alemão Friedrich Nietzsche), serve para todos e para ninguém. Por vir de um conceituado cineasta que trabalha em uma produtora de cinema badalada entre os cinéfilos, causou grande curiosidade e expectativa no público. Mas seus resultados podem ser frustrantes logo quando vemos o descaminho, com poucos momentos aproveitáveis, que a obra percorre em 180 minutos.

O filme é a prova de que há títulos medíocres e ruins na A24, como o esteticamente bonito (porém confuso) O Farol (2019) e o insosso Lamb (2021). É claro que há quem irá defender Beau Tem Medo e dizer que estamos diante de uma das melhores produções de 2023 e quem não entendeu está errado. Mas, como na fábula medieval A Roupa Nova do Imperador, é preciso ter a coragem e desprendimento de dizer em público que “o Rei está nu”.

Pontos positivos:

  • Humor absurdo eficiente em alguns momentos
  • Enquadramentos e movimentações de câmera eficientes
  • Design de produção elegante
  • Elenco esforçado em captar as intenções do diretor na trama

Pontos negativos:

  • Baixa habilidade de Ari Aster em expressar suas pretensões na obra
  • Jornada prejudicada pela vaidade do enredo em querer ser mais do que é
  • Questionamentos sobre o que é proposital ou involuntário no humor
  • Roteiro que não compensa a duração que tem

NOTA: 3,5/10